quarta-feira, 30 de maio de 2012

Prosas seguidas de odes mínimas - análise da obra


PROSAS SEGUIDAS DE ODES MÍNIMAS
José Paulo Paes

Características da obra:

·                     O autor pertence, cronologicamente, à terceira geração do Modernismo brasileiro (1945 – 1964 ).
·                     Nos seus poemas, percebemos conceitos que o aproximam de Oswald Andrade: a poesia sintética, o espírito satírico, o humor, a brevidade, o trocadilho e a paródia, o poema-piada.
·                     Poucos adjetivos e recusa do sentimentalismo.
·                     Inspira-se no Concretismo: valorização do aspecto visual do poema, remontagem vocabular.
·                     Uso do epigrama: poema breve marcado por tom satírico. Serviu aos romanos como instrumento na Antiguidade Clássica para comentar os assuntos da cidade.
·                     Trabalha a memória, aspectos existenciais e sociais.
·                     Presença constante da esposa Dora.

PROSAS SEGUIDAS DE ODES MÍNIMAS

·                     Contém vinte textos em prosa poética e treze poemas.
·                     Obra do gênero lírico.
·                     O livro começa falando da morte e termina com reflexões sobre o nascimento.
·                     ‘Expõe-nos o que parece ser, antes de tudo, uma experiência de separação. As pessoas e as coisas que um dia existiram nos deixaram, e o que resta somos nós mesmos’. (Marcelo Coelho).

COMENTÁRIOS

CANÇÃO DO ADOLESCENTE


Se mais bem olhardes
Notareis que as rugas
Umas são postiças
Outras literárias.
Notareis ainda
O que mais escondo:
A descontinuidade
Do meu corpo híbrido.

Quando corto a rua
Para me ocultar
As mulheres riem
(sempre tão agudas!)
Do meu corpo

Que força macabra
Misturou pedaços
De criança e homem
Para me criar?

Se quereis salvar-me
Desta anatomia,
Batizai-me depressa
Com as inefáveis (que não se pode exprimir por palavras)
As assustadoras
Águas do mundo.


Elementos fundamentais do poema:

Mistura desajeitada entre o adolescente e o homem amadurecido.
Híbrido que inspira dó ou riso.
O poema lembra Drummond pelo cansaço com que enxerga a geração humana.
Niilismo temático – Presença do ‘gauche’, o desajeitado, o diferente, o esquerdo.


MUNDO NOVO

Como estás vendo, não valeu a pena tanto esforço:
A urgência na construção da Arca
O rigor na escolha dos sobreviventes
A monotonia da vida a bordo desde os primeiros dias
A carestia aceita com resmungos nos últimos dias
Os olhos cansados de buscar um sol continuamente adiado.

E, no entanto sabias de antemão que seria assim. Sabias que a pomba iria
Trazer não um ramo de oliva mas espinheiro.

Sabias e não disseste nada a nós, teus tripulantes, que ora vês lavrando com
As mesmas enxadas de Caim e Abel a terra mal enxuta do dilúvio.

Aliás, se nos dissesses, nós não te acreditaríamos.

Elementos fundamentais do poema:

Mais uma vez, o poeta se aproxima de Drummond lembrando o livro A Rosa do povo marcado pela esperança num mundo melhor.
Ocorre aqui, também, a defesa da existência por pior que seja.
Note que o texto está classificado como prosa, mas tem alguns elementos próprios da poesia como o ritmo.
Isso nos faz lembrar autores como Cruz e Souza que produziu também prosa poética.


COMENTÁRIOS

A CASA

Vendam logo esta casa, ela está cheia de fantasmas.

Na livraria, há um avô que faz cartões de boas festas com corações de purpurina.
Na tipografia, um tio que imprime avisos fúnebres e programas de circo.
Na sala de visitas, um pai que lê romances policiais até o fim dos tempos.
No quarto, uma mãe que está sempre parindo a última filha.
Na sala de jantar, uma tia que lustra cuidadosamente o seu próprio caixão.
Na copa, uma prima que passa a ferro todas as mortalhas da família.
Na cozinha, uma avó que conta noite e dia histórias de outro mundo.
No quintal, um preto velho que morreu na Guerra do Paraguai rachando lenha.
E no telhado um menino medroso que espia todos eles; só que está vivo:
Trouxe até ali o pássaro dos sonhos.
Deixem o menino dormir, mas vendam a casa, vendam-na depressa.
Antes que ele acorde e se descubra também morto.

Elementos fundamentais do poema:

Recuperação do passado por meio da memória afetiva lembrando Manoel Bandeira.
Presença de personagens da vida familiar que povoaram a infância do poeta.
Versos curtos, concisos sugerindo intensidade de significado.
Assim como em Bandeira, a presença da morte em muitas expressões como ‘avisos fúnebres’, ‘caixão’, ‘mortalhas’ e ‘morreu’.
A consciência da transitoriedade da vida ao olhar para o passado; a certeza da vida como viagem; a precariedade da existência.
O texto insiste na ideia de dormir e acordar; do sonho. O sonho como instrumento de resgate do passado.
Há elementos próprios do Romantismo: o sonho, a fantasia, a emotividade. Podemos perceber, também, traços do Simbolismo (o universo místico) e do Surrealismo (o devaneio onírico).



AOS ÓCULOS

só fingem que põem
o mundo ao alcance
dos meus olhos míopes.

já não vejo as coisas
como são: vejo-as como querem
que eu as veja.

logo, são eles que vêem,
não eu que, cônscio
do logro, lhes sou grato

por anteciparem em mim
o Édipo curioso
de suas próprias trevas.

Elementos fundamentais do poema:

A visão distorcida, imposta pelo capitalismo, na metáfora dos óculos.
O poeta trabalha o conceito de ‘ideologia’ no sentido marxista do termo: falsa consciência que temos da realidade.
O sistema, o poder capitalista através da palavra e da imagem, finge que põe o mundo ao alcance do eu – lírico.
O poder tem a possibilidade de criar uma realidade paralela afastada das coisas como elas são.
Os óculos funcionam como filtro da realidade impedindo a perfeita consciência do mundo.
O sistema, o outro é quem vê; portanto, anula-se a identidade pessoal criando-se a identidade coletiva, a sociedade de massas: todos pensam, desejam e olham apenas uma falsa realidade.
O eu – lírico ainda agradece ao sistema por antecipar sua condição de Édipo: o que fura os próprios olhos.

OUTRO RETRATO

O laço de fita
que prende os cabelos
da moça do retrato
mais parece uma borboleta.
Um ventinho qualquer
e sai voando
rumo a outra vida
além do retrato.
Uma vida onde os maridos
nunca chegam tarde
com um gosto amargo
na boca.

Deve-se observar que a idéia de laço, numa análise superficial, está ligada a prisão, opondo-se, portanto, a vôo. No entanto, de forma surrealista, o nó corredio é facilmente associado a borboleta. Um estudo profundo revela que tal associação não é, porém, absurda, já que remonta à idéia de que todo retrato faz retomar um passado em que sonhos, desejos eram montados cheios de idealização. Dessa forma, o poema acaba por avaliar agudamente o presente, que se desviou grosseiramente das expectativas de um passado ingênuo.

Também é necessário lembrar que José Paulo Paes possui um ponto de contato com uma qualidade comum a Bandeira e Drummond: a emotividade retirada das coisas simples, cotidianas. Consegue da mesma forma que os dois pilares da poesia modernista, ter os mesmos passos de um cronista moderno, alçando vôos líricos altíssimos.

Assemelha-se ainda a João Cabral de Melo Neto nos seguintes aspectos: linguagem enxuta, densidade e materialidade verbal, fixação de elementos concretos, recortados em versos breves, lucidez vigilante, recusa do supérfluo e do sentimentalismo, rigor intelectual e a imaginação plástica, escassez de adjetivação e gosto pela rima toante. 
Curioso é perceber que os trechos apresentados até agora, tratados como poemas, na realidade correspondem à primeira parte da obra, composta de “prosas”. Sua elaboração, no entanto, recebe um trato de linguagem tal que se aproximam por demais da poesia. Pode-se tratar, portanto, de um famoso gênero criado pelos simbolistas, o da prosa poética, já percorrido por Cruz e Sousa, Aníbal Machado e Rubem Braga. 
Os poemas têm, tradicionalmente, um tom grandioso. No entanto, o poeta engrandece coisas simples, como um alfinete, um fósforo, uma garrafa ou até mesmo a tinta de escrever, como se vê a seguir:

À TINTA DE ESCREVER

Ao teu azul fidalgo mortifica
registrar a notícia, escrever
o bilhete, assinar a promissória
esses filhos do momento. Sonhas
mais duradouro o pergaminho
onde pudesses, arte longa em vida breve
inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima
a elegia, bronze a epopéia.
Mas já que o duradouro de hoje nem
espera a tinta do jornal secar,
firma, azul, a tua promissória
ao minuto e adeus que agora é tudo História.


Segundo Antonio Candido, há em José Paulo Paes uma predileção pelo pequeno, pelo mínimo, que lhe alimenta de fôlego suficiente para não só engrandecê-lo, mas também de buscar o gigantesco.


O laço de fita
que prende os cabelos
da moça do retrato
mais parece uma borboleta.
Um ventinho qualquer
e sai voando
rumo a outra vida
além do retrato.
Uma vida onde os maridos
nunca chegam tarde
com um gosto amargo
na boca.


Deve-se observar que a ideia de laço, numa análise superficial, está ligada a prisão, opondo-se, portanto, a voo. No entanto, de forma surrealista, o nó corredio é facilmente associado a borboleta. Um estudo profundo revela que tal associação não é, porém, absurda, já que remonta à ideia de que todo retrato faz retomar um passado em que sonhos, desejos eram montados cheios de idealização. Dessa forma, o poema acaba por avaliar agudamente o presente, que se desviou grosseiramente das expectativas de um passado ingênuo.
Também é necessário lembrar que José Paulo Paes possui um ponto de contato com uma qualidade comum a Bandeira e Drummond: a emotividade retirada das coisas simples, cotidianas. Consegue da mesma forma que os dois pilares da poesia modernista, ter os mesmos passos de um cronista moderno, alçando vôos líricos altíssimos.

Assemelha-se ainda a João Cabral de Melo Neto nos seguintes aspectos: linguagem enxuta, densidade e materialidade verbal, fixação de elementos concretos, recortados em versos breves, lucidez vigilante, recusa do supérfluo e do sentimentalismo, rigor intelectual e a imaginação plástica, escassez de adjetivação e gosto pela rima toante. 

Curioso é perceber que os trechos apresentados até agora, tratados como poemas, na realidade correspondem à primeira parte da obra, composta de “prosas”. Sua elaboração, no entanto, recebe um trato de linguagem tal que se aproximam por demais da poesia. Pode-se tratar, portanto, de um famoso gênero criado pelos simbolistas, o da prosa poética, já percorrido por Cruz e Sousa, Aníbal Machado e Rubem Braga. 

Os poemas têm, tradicionalmente, um tom grandioso. No entanto, o poeta engrandece coisas simples, como um alfinete, um fósforo, uma garrafa ou até mesmo a tinta de escrever, como se vê a seguir:

À TINTA DE ESCREVER

Ao teu azul fidalgo mortifica
registrar a notícia, escrever
o bilhete, assinar a promissória
esses filhos do momento. Sonhas
mais duradouro o pergaminho
onde pudesses, arte longa em vida breve
inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima
a elegia, bronze a epopéia.
Mas já que o duradouro de hoje nem
espera a tinta do jornal secar,
firma, azul, a tua promissória
ao minuto e adeus que agora é tudo História.

Segundo Antonio Candido, há em José Paulo Paes uma predileção pelo pequeno, pelo mínimo, que lhe alimenta de fôlego suficiente para não só engrandecê-lo, mas também de buscar o gigantesco.

 

Questões sobre a obra:

Texto para as questões 01 e 02:

“À televisão”.

Teu boletim meteorológico

me diz aqui e agora

se chove ou se faz sol.

Para que ir lá fora?


A comida suculenta

que pões à minha frente

como-a toda com os olhos.

Aposentei os dentes.


Nos dramalhões que encenas

há tamanho poder

de vida que eu próprio

nem me canso em viver.

Guerra, sexo, esporte

— me dás tudo, tudo.


Vou pregar minha porta:

já não preciso do mundo.


PAES, J. P. Prosas seguidas de odes mínimas. São Paulo: Companhia das Letras, 1992


01.( UERJ) No poema, a televisão é humanizada, assumindo o papel de interlocutor do eu poético. Identifique o elemento linguístico que melhor caracteriza essa humanização e transcreva um verso em que ele apareça.

02. (UERJ) Indique o tema geral do poema e explique como ele é abordado criticamente por José Paulo Paes.

RESPOSTA

1 - O uso da segunda pessoa gramatical. Um dentre os versos:

• Teu boletim meteorológico

• que pões à minha frente

• nos dramalhões que encenas

•me dás tudo, tudo.

2 - O tema geral é a sociedade do espetáculo ou a presença da tecnologia na vida do homem. No texto, a televisão representa esse tema geral, simbolizando a solidão humana.
OUTRO RETRATO

O livro "Prosas Seguidas de Odes Mínimas", de José Paulo Paes, como o próprio título anuncia. é composto de duas partes.
Quanto às semelhanças e às diferenças, referentes à temática e à forma dos poemas dessas partes, pode-se afirmar que:
 ( ) na primeira parte, o eu poético faz uma reflexão sobre as pessoas e as vivências que marcaram seu passado; na segunda, analisa o mundo e as coisas à sua volta, revelando posicionamento crítico.
(  ) a primeira parte é composta de textos em prosa destituídos de intenção e de imagens poéticas que configuram a segunda parte.
(  ) a segunda parte conserva o mesmo tom memorialista da primeira, em que o eu-poético resgata sentimentos e vivências da sua adolescência e juventude.
(  ) nas duas partes, o eu-poético desvincula-se da realidade circundante, imprimindo aos poemas um caráter alienante.
resposta: V F F F
Com base na leitura de "Prosas seguidas de odes mínimas", de José Paulo Paes, é INCORRETO afirmar que essa obra
a) se ocupa, em sua primeira parte - nas prosas -, de temas relacionados à vida atual, ao passo que, na segunda - nas odes mínimas -, se volta para o passado.
b) tem afinidades com as poéticas do século XX, como o modernismo e o concretismo, pois o poeta versifica com liberdade e confere valor expressivo ao branco da página.
c) recupera aspectos do passado pessoal do autor e de sua família e se refere a aspectos do passado histórico brasileiro e universal.
d) se ocupa de temas sérios, como a morte, abordando-os tanto com circunspecção e gravidade quanto com humor e leveza.
resposta:[A]

QUESTÃO  (UFU 2011)-
Aos óculos
Só fingem quem põem 
o mundo ao alcance
dos meus olhos míopes 
já não vejo as coisas
como são: vejo-as como querem
que eu as veja
logo, são eles que vêem,
não eu que, cônscio
do logro, lhes sou grato
por anteciparem em mim
o Édipo curioso
de suas próprias trevas.
                                                            José Paulo Paes. Prosas seguidas de odes mínimas.    
A respeito do poema de José Paulo Paes, podem-se fazer as seguintes asserções, EXCETO:
A) A menção ao mito do rei Édipo justifica-se em função do tema do olhar, uma vez que Édipo furou os próprios olhos ao descobrir a si mesmo como o parricida e incestuoso que ele pretendia castigar .
B) No poema, os óculos podem ser considerados uma metáfora dos condicionamentos sociais que moldam nossa percepção da realidade, induzindo-nos a uma dada visão de  mundo apoiada em estereótipos.
C) Há uma problematização da capacidade humana de conhecer o mundo físico e existencial, pois o olhar do sujeito é deficiente, e o uso de instrumentos que o corrijam (como os óculos) também não sana a questão.
D) Aborda –se o conflito do conhecimento científico versus o conhecimento artístico, assinalando que a ciência é incapaz de responder a questões existenciais que somente a arte poderia explorar.
RESOLUÇÂO: Letra: C
O poema problematiza de fato a capacidade humana de conhecer o mundo físico e existencial, mas o que está em jogo não é necessariamente a insuficiência do instrumento (no caso os óculos) para sanar a incapacidade de conhecer. Para vários tipos de deficiência oftalmológica, os óculos são um instrumento formidável para resolução da disfunção. Os outros itens argumentam de forma mais eficaz o que está do cerne no poema – os óculos como uma espécie de “filtro ideológico” pelo qual enxergamos a realidade e o fato de que determinados questões existenciais talvez sejam mais bem tratadas pelo discurso artístico do que pelo estritamente científico.
Leia o poema abaixo:
Mundo novo
Como estás vendo, não valeu a pena tanto esforço:
a urgência na construção da Arca
o rigor na escolha dos sobreviventes
a monotonia da vida a bordo desde os primeiros dias
a carestia aceita com resmungos nos últimos dias
os olhos cansados de buscar um sol continuamente adiado.
E no entanto sabias de antemão que seria assim. Sabias que
a pomba iria trazer não um ramo de oliva mas
de espinheiro.
Sabias e não disseste nada a nós, teus tripulantes, que ora
vês lavrando com as mesmas enxadas de Caim e Abel
a terra mal enxuta do Dilúvio.Aliás, se nos dissesses, nós não te acreditaríamos.
                                                                                      José Paulo Paes. Prosas seguidas de odes mínimas.
Faça o que se pede.
A) Explique os limites entre prosa e poesia nesse poema.
B) Explique, exemplificando com versos, como ocorre a intertextualidade nesse poema.

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