PROSAS SEGUIDAS DE ODES MÍNIMAS
José Paulo Paes
Características da obra:
·
O autor pertence, cronologicamente, à terceira geração do Modernismo
brasileiro (1945 – 1964 ).
·
Nos seus poemas, percebemos conceitos que o aproximam de Oswald Andrade:
a poesia sintética, o espírito satírico, o humor, a brevidade, o trocadilho e a
paródia, o poema-piada.
·
Poucos adjetivos e recusa do sentimentalismo.
·
Inspira-se no Concretismo: valorização do aspecto visual do poema,
remontagem vocabular.
·
Uso do epigrama: poema breve marcado por tom satírico. Serviu aos
romanos como instrumento na Antiguidade Clássica para comentar os assuntos da
cidade.
·
Trabalha a memória, aspectos existenciais e sociais.
·
Presença constante da esposa Dora.
PROSAS SEGUIDAS DE ODES MÍNIMAS
·
Contém vinte textos em prosa poética e treze poemas.
·
Obra do gênero lírico.
·
O livro começa falando da morte e termina com reflexões sobre o
nascimento.
·
‘Expõe-nos o que parece ser, antes de tudo, uma experiência de
separação. As pessoas e as coisas que um dia existiram nos deixaram, e o que
resta somos nós mesmos’. (Marcelo Coelho).
COMENTÁRIOS
CANÇÃO DO ADOLESCENTE
Se mais bem olhardes
Notareis que as rugas
Umas são postiças
Outras literárias.
Notareis ainda
O que mais escondo:
A descontinuidade
Do meu corpo híbrido.
Quando corto a rua
Para me ocultar
As mulheres riem
(sempre tão agudas!)
Do meu corpo
Que força macabra
Misturou pedaços
De criança e homem
Para me criar?
Se quereis salvar-me
Desta anatomia,
Batizai-me depressa
Com as inefáveis (que não se pode
exprimir por palavras)
As assustadoras
Águas do mundo.
Elementos fundamentais do poema:
Mistura desajeitada entre o
adolescente e o homem amadurecido.
Híbrido que inspira dó ou riso.
O poema lembra Drummond pelo cansaço
com que enxerga a geração humana.
Niilismo temático – Presença do
‘gauche’, o desajeitado, o diferente, o esquerdo.
MUNDO NOVO
Como estás vendo, não valeu a pena
tanto esforço:
A urgência na construção da Arca
O rigor na escolha dos sobreviventes
A monotonia da vida a bordo desde os
primeiros dias
A carestia aceita com resmungos nos
últimos dias
Os olhos cansados de buscar um sol
continuamente adiado.
E, no entanto sabias de antemão que
seria assim. Sabias que a pomba iria
Trazer não um ramo de oliva mas
espinheiro.
Sabias e não disseste nada a nós,
teus tripulantes, que ora vês lavrando com
As mesmas enxadas de Caim e Abel a
terra mal enxuta do dilúvio.
Aliás, se nos dissesses, nós não te
acreditaríamos.
Elementos fundamentais do poema:
Mais uma vez, o poeta se aproxima de
Drummond lembrando o livro A Rosa do povo marcado pela esperança num mundo
melhor.
Ocorre aqui, também, a defesa da
existência por pior que seja.
Note que o texto está classificado
como prosa, mas tem alguns elementos próprios da poesia como o ritmo.
Isso nos faz lembrar autores como
Cruz e Souza que produziu também prosa poética.
COMENTÁRIOS
A CASA
Vendam logo esta casa, ela está cheia
de fantasmas.
Na livraria, há um avô que faz
cartões de boas festas com corações de purpurina.
Na tipografia, um tio que imprime
avisos fúnebres e programas de circo.
Na sala de visitas, um pai que lê
romances policiais até o fim dos tempos.
No quarto, uma mãe que está sempre
parindo a última filha.
Na sala de jantar, uma tia que lustra
cuidadosamente o seu próprio caixão.
Na copa, uma prima que passa a ferro
todas as mortalhas da família.
Na cozinha, uma avó que conta noite e
dia histórias de outro mundo.
No quintal, um preto velho que morreu
na Guerra do Paraguai rachando lenha.
E no telhado um menino medroso que
espia todos eles; só que está vivo:
Trouxe até ali o pássaro dos sonhos.
Deixem o menino dormir, mas vendam a
casa, vendam-na depressa.
Antes que ele acorde e se descubra
também morto.
Elementos fundamentais do poema:
Recuperação do passado por meio da
memória afetiva lembrando Manoel Bandeira.
Presença de personagens da vida
familiar que povoaram a infância do poeta.
Versos curtos, concisos sugerindo
intensidade de significado.
Assim como em Bandeira, a presença da
morte em muitas expressões como ‘avisos fúnebres’, ‘caixão’, ‘mortalhas’ e
‘morreu’.
A consciência da transitoriedade da
vida ao olhar para o passado; a certeza da vida como viagem; a precariedade da
existência.
O texto insiste na ideia de dormir e
acordar; do sonho. O sonho como instrumento de resgate do passado.
Há elementos próprios do Romantismo:
o sonho, a fantasia, a emotividade. Podemos perceber, também, traços do
Simbolismo (o universo místico) e do Surrealismo (o devaneio onírico).
AOS ÓCULOS
só fingem que põem
o mundo ao alcance
dos meus olhos míopes.
já não vejo as coisas
como são: vejo-as como querem
que eu as veja.
logo, são eles que vêem,
não eu que, cônscio
do logro, lhes sou grato
por anteciparem em mim
o Édipo curioso
de suas próprias trevas.
o mundo ao alcance
dos meus olhos míopes.
já não vejo as coisas
como são: vejo-as como querem
que eu as veja.
logo, são eles que vêem,
não eu que, cônscio
do logro, lhes sou grato
por anteciparem em mim
o Édipo curioso
de suas próprias trevas.
Elementos fundamentais do poema:
A visão distorcida, imposta pelo
capitalismo, na metáfora dos óculos.
O poeta trabalha o conceito de
‘ideologia’ no sentido marxista do termo: falsa consciência que temos da
realidade.
O sistema, o poder capitalista
através da palavra e da imagem, finge que põe o mundo ao alcance do eu –
lírico.
O poder tem a possibilidade de criar
uma realidade paralela afastada das coisas como elas são.
Os óculos funcionam como filtro da
realidade impedindo a perfeita consciência do mundo.
O sistema, o outro é quem vê;
portanto, anula-se a identidade pessoal criando-se a identidade coletiva, a
sociedade de massas: todos pensam, desejam e olham apenas uma falsa realidade.
O eu – lírico ainda agradece ao
sistema por antecipar sua condição de Édipo: o que fura os próprios olhos.
OUTRO RETRATO
O laço de fita
que prende os cabelos
da moça do retrato
mais parece uma borboleta.
Um ventinho qualquer
e sai voando
rumo a outra vida
além do retrato.
Uma vida onde os maridos
nunca chegam tarde
com um gosto amargo
na boca.
Deve-se observar que a idéia de laço, numa análise superficial, está ligada a prisão, opondo-se, portanto, a vôo. No entanto, de forma surrealista, o nó corredio é facilmente associado a borboleta. Um estudo profundo revela que tal associação não é, porém, absurda, já que remonta à idéia de que todo retrato faz retomar um passado em que sonhos, desejos eram montados cheios de idealização. Dessa forma, o poema acaba por avaliar agudamente o presente, que se desviou grosseiramente das expectativas de um passado ingênuo.
Também é necessário lembrar que José Paulo Paes possui um ponto de contato com uma qualidade comum a Bandeira e Drummond: a emotividade retirada das coisas simples, cotidianas. Consegue da mesma forma que os dois pilares da poesia modernista, ter os mesmos passos de um cronista moderno, alçando vôos líricos altíssimos.
Assemelha-se ainda a João Cabral de Melo Neto nos seguintes aspectos: linguagem enxuta, densidade e materialidade verbal, fixação de elementos concretos, recortados em versos breves, lucidez vigilante, recusa do supérfluo e do sentimentalismo, rigor intelectual e a imaginação plástica, escassez de adjetivação e gosto pela rima toante.
O laço de fita
que prende os cabelos
da moça do retrato
mais parece uma borboleta.
Um ventinho qualquer
e sai voando
rumo a outra vida
além do retrato.
Uma vida onde os maridos
nunca chegam tarde
com um gosto amargo
na boca.
Deve-se observar que a idéia de laço, numa análise superficial, está ligada a prisão, opondo-se, portanto, a vôo. No entanto, de forma surrealista, o nó corredio é facilmente associado a borboleta. Um estudo profundo revela que tal associação não é, porém, absurda, já que remonta à idéia de que todo retrato faz retomar um passado em que sonhos, desejos eram montados cheios de idealização. Dessa forma, o poema acaba por avaliar agudamente o presente, que se desviou grosseiramente das expectativas de um passado ingênuo.
Também é necessário lembrar que José Paulo Paes possui um ponto de contato com uma qualidade comum a Bandeira e Drummond: a emotividade retirada das coisas simples, cotidianas. Consegue da mesma forma que os dois pilares da poesia modernista, ter os mesmos passos de um cronista moderno, alçando vôos líricos altíssimos.
Assemelha-se ainda a João Cabral de Melo Neto nos seguintes aspectos: linguagem enxuta, densidade e materialidade verbal, fixação de elementos concretos, recortados em versos breves, lucidez vigilante, recusa do supérfluo e do sentimentalismo, rigor intelectual e a imaginação plástica, escassez de adjetivação e gosto pela rima toante.
Curioso é perceber que os trechos apresentados até agora, tratados como
poemas, na realidade correspondem à primeira parte da obra, composta de
“prosas”. Sua elaboração, no entanto, recebe um trato de linguagem tal que se
aproximam por demais da poesia. Pode-se tratar, portanto, de um famoso gênero
criado pelos simbolistas, o da prosa poética, já percorrido por Cruz e Sousa,
Aníbal Machado e Rubem Braga.
Os poemas têm, tradicionalmente, um tom grandioso. No entanto, o poeta
engrandece coisas simples, como um alfinete, um fósforo, uma garrafa ou até
mesmo a tinta de escrever, como se vê a seguir:
À TINTA DE ESCREVER
Ao teu azul fidalgo mortifica
registrar a notícia, escrever
o bilhete, assinar a promissória
esses filhos do momento. Sonhas
mais duradouro o pergaminho
onde pudesses, arte longa em vida breve
inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima
a elegia, bronze a epopéia.
Mas já que o duradouro de hoje nem
espera a tinta do jornal secar,
firma, azul, a tua promissória
ao minuto e adeus que agora é tudo História.
Ao teu azul fidalgo mortifica
registrar a notícia, escrever
o bilhete, assinar a promissória
esses filhos do momento. Sonhas
mais duradouro o pergaminho
onde pudesses, arte longa em vida breve
inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima
a elegia, bronze a epopéia.
Mas já que o duradouro de hoje nem
espera a tinta do jornal secar,
firma, azul, a tua promissória
ao minuto e adeus que agora é tudo História.
Segundo Antonio Candido, há em José Paulo Paes uma predileção pelo pequeno, pelo mínimo, que lhe alimenta de fôlego suficiente para não só engrandecê-lo, mas também de buscar o gigantesco.
O laço de fita
que prende os cabelos
da moça do retrato
mais parece uma borboleta.
Um ventinho qualquer
e sai voando
rumo a outra vida
além do retrato.
Uma vida onde os maridos
nunca chegam tarde
com um gosto amargo
na boca.
que prende os cabelos
da moça do retrato
mais parece uma borboleta.
Um ventinho qualquer
e sai voando
rumo a outra vida
além do retrato.
Uma vida onde os maridos
nunca chegam tarde
com um gosto amargo
na boca.
Deve-se observar que a ideia de laço, numa análise superficial, está ligada a prisão, opondo-se, portanto, a voo. No entanto, de forma surrealista, o nó corredio é facilmente associado a borboleta. Um estudo profundo revela que tal associação não é, porém, absurda, já que remonta à ideia de que todo retrato faz retomar um passado em que sonhos, desejos eram montados cheios de idealização. Dessa forma, o poema acaba por avaliar agudamente o presente, que se desviou grosseiramente das expectativas de um passado ingênuo.
Também é
necessário lembrar que José Paulo Paes possui um ponto de contato com uma
qualidade comum a Bandeira e Drummond: a emotividade retirada das coisas
simples, cotidianas. Consegue da mesma forma que os dois pilares da poesia
modernista, ter os mesmos passos de um cronista moderno, alçando vôos líricos
altíssimos.
Assemelha-se ainda a João Cabral de Melo Neto nos seguintes aspectos: linguagem enxuta, densidade e materialidade verbal, fixação de elementos concretos, recortados em versos breves, lucidez vigilante, recusa do supérfluo e do sentimentalismo, rigor intelectual e a imaginação plástica, escassez de adjetivação e gosto pela rima toante.
Curioso é perceber que os trechos apresentados até agora, tratados como poemas, na realidade correspondem à primeira parte da obra, composta de “prosas”. Sua elaboração, no entanto, recebe um trato de linguagem tal que se aproximam por demais da poesia. Pode-se tratar, portanto, de um famoso gênero criado pelos simbolistas, o da prosa poética, já percorrido por Cruz e Sousa, Aníbal Machado e Rubem Braga.
Os poemas têm, tradicionalmente, um tom grandioso. No entanto, o poeta engrandece coisas simples, como um alfinete, um fósforo, uma garrafa ou até mesmo a tinta de escrever, como se vê a seguir:
Assemelha-se ainda a João Cabral de Melo Neto nos seguintes aspectos: linguagem enxuta, densidade e materialidade verbal, fixação de elementos concretos, recortados em versos breves, lucidez vigilante, recusa do supérfluo e do sentimentalismo, rigor intelectual e a imaginação plástica, escassez de adjetivação e gosto pela rima toante.
Curioso é perceber que os trechos apresentados até agora, tratados como poemas, na realidade correspondem à primeira parte da obra, composta de “prosas”. Sua elaboração, no entanto, recebe um trato de linguagem tal que se aproximam por demais da poesia. Pode-se tratar, portanto, de um famoso gênero criado pelos simbolistas, o da prosa poética, já percorrido por Cruz e Sousa, Aníbal Machado e Rubem Braga.
Os poemas têm, tradicionalmente, um tom grandioso. No entanto, o poeta engrandece coisas simples, como um alfinete, um fósforo, uma garrafa ou até mesmo a tinta de escrever, como se vê a seguir:
À TINTA DE ESCREVER
Ao teu azul fidalgo mortifica
registrar a notícia, escrever
o bilhete, assinar a promissória
esses filhos do momento. Sonhas
mais duradouro o pergaminho
onde pudesses, arte longa em vida breve
inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima
a elegia, bronze a epopéia.
Mas já que o duradouro de hoje nem
espera a tinta do jornal secar,
firma, azul, a tua promissória
ao minuto e adeus que agora é tudo História.
Segundo Antonio Candido, há em José Paulo Paes uma predileção pelo pequeno, pelo mínimo, que lhe alimenta de fôlego suficiente para não só engrandecê-lo, mas também de buscar o gigantesco.
Ao teu azul fidalgo mortifica
registrar a notícia, escrever
o bilhete, assinar a promissória
esses filhos do momento. Sonhas
mais duradouro o pergaminho
onde pudesses, arte longa em vida breve
inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima
a elegia, bronze a epopéia.
Mas já que o duradouro de hoje nem
espera a tinta do jornal secar,
firma, azul, a tua promissória
ao minuto e adeus que agora é tudo História.
Segundo Antonio Candido, há em José Paulo Paes uma predileção pelo pequeno, pelo mínimo, que lhe alimenta de fôlego suficiente para não só engrandecê-lo, mas também de buscar o gigantesco.
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