Às vésperas da Rio+20, lembremos que jamais
existirão soluções universais para combater a mudança climático—nosso mundo é
pleno de diferenças
Por Marília Moschkovich,
do Mulher
Alternativa
Em 2012, a Conferência Rio+20 promete trazer ao
debate sobre desenvolvimento sustentável ativistas, militantes, líderes
políticos e governos. Juntos, tentarão dar conta do complexo e difícil
quebra-cabeça contemporâneo: preservar o meio ambiente. Há quem diga que só a
extinção do capitalismo poderia salvar a humanidade de uma hecatombe impulsionada
pelo uso predatório de recursos naturais. Há quem defenda que, mesmo dentro
deste sistema produtivo, é possível criar desenvolvimento sustentável e manter
— ou melhorar — nosso padrão de vida e conforto.
Eu penso que, com ou sem capitalismo, as estruturas
sociais é que farão a diferença na vida das pessoas. Começo por um caso
simples: numa cidade, o espaço não é homogeneamente distribuído entre os
habitantes. Os pedaços de terra, casas, apartamentos são muito diferentes entre
si e acarretam diferentes consequências na vida de seus moradores. Em São
Paulo, quem mora no Jardim Pantanal não poderia, por livre e espontânea
vontade, mudar-se para um apartamento na Vila Madalena. O Jardim Pantanal fica
boa parte da época de chuvas alagado (ironia?) e a Vila Madalena não. As
mudanças climáticas influenciam na quantidade de precipitação, no regime de
rios e lagos. Seus efeitos não são os mesmos num bairro e no outro.
Pra ficar em outro exemplo óbvio, o aumento da
amplitude térmica sempre será mais tranquilo para quem pode comprar casacos
quentinhos, tem onde morar está bem alimentado e pode ligar o ar condicionado.
O fato é que os próprios mecanismos para driblar os
efeitos das mudanças climáticas correm o sério risco de converter-se em
mercadorias. Nisso, estou com os que atacam esta questão pela raiz: numa
estrutura capitalista de classes onde recursos e grana não são distribuídos
igualmente, será sempre impossível implementar soluções ambientais totalmente
democráticas.
Contudo, há ainda outros tipos de desigualdade
social que parecem interferir diretamente na distribuição desigual de impactos
das mudanças climáticas. Com o racismo estrutural no Brasil, por exemplo, é
fácil prever que a brancos e negros sofram de forma distinta este processo.
Mesmo que haja políticas públicas sólidas de amparo a grupos sociais
desprivilegiados, o tratamento dado pelo Estado e seus agentes (sejam eles
policiais, funcionários públicos, políticos etc.) não será muito igualitário. O
racismo estrutural é anterior, está na forma com que moldamos nossas visões de
mundo. Numa situação limite, em quem confiar? De quem desconfiar?
A desigualdade de gênero me parece, também é
brutal. Quando há uma enchente, quem é que limpa a casa depois? Quem é que
precisa se deslocar e abandonar a família para obter trabalho semiescravo nas
grandes cidades? Quando esses maridos se vão, quem é que fica com os filhos e
cuida da propriedade, da colheita, da água? O impacto das mudanças climáticas
varia, ainda, entre homens e mulheres (embora “gênero” não diga respeito apenas
a estas duas formas de classificar pessoas). Buscar trabalho, prover comida e
conforto, trabalhar na lavoura, fazer jornadas triplas, quádruplas. Cuidar dos
recursos e da saúde das crianças. Tudo isso se transforma substancialmente num
contexto de mudanças climáticas.
Frequentemente esquecemo-nos, ao elaborarmos
políticas públicas, que não somos uma sociedade igualitária. Estas políticas
costumam ser elaboradas tendo em mente o “ser humano universal”. O problema é
que, de universal, esse ser humano não tem nada: é homem, branco, urbano e
rico. Sem entendermos as especificidades cotidianas impostas pela estrutura
social a diferentes grupos, as políticas ambientais só poderão salvar aqueles
mesmos que as elaboram.
Secretário-geral da ONU cobra “coragem política” na Conferência
Uma carta de
intenções representando os objetivos do mundo a respeito do
desenvolvimento sustentável, semelhante às Metas do Milênio, pode ser o
máximo que a comunidade internacional vai conseguir produzir na Rio+20. A
possibilidade de este ser o desfecho da Conferência, que começa no dia
13 no Rio de Janeiro, ficou clara em entrevista coletiva concedida nessa
quarta-feira 6, em Nova York, pelo secretário-geral das Nações Unidas,
Ban Ki-moon.
Na conversa com
os jornalistas, transmitida pela internet, Ban se disse “cautelosamente
otimista”, mas deixou transparecer sua preocupação com a incapacidade
dos países de chegar a um acordo sobre as diretrizes do desenvolvimento
sustentável. Assim, fez um chamado aos negociadores que estarão no
Brasil. “Acredito que os países estão seriamente engajados nas
negociações, mas é preciso ter claro que, se perderem esta oportunidade,
vão ter de esperar muito tempo para conseguir outra”, disse Ban.
A chance de a
oportunidade ser perdida não é pequena. Normalmente, em conferências
como a Rio+20, os chefes de Estado comparecem apenas para assinar e
referendar documentos produzidos previamente por suas missões
diplomáticas. Na Rio+20, este não deve ser o caso, pois há muito a ser
discutido. Só há acordo sobre 20% do texto principal de conclusão da
Conferência, e o restante precisará ser definido pelos negociadores até
15 de junho. O que não for resolvido pode ser discutido pelos chefes de
Estado, mas este caminho também não é auspicioso. Líderes importantes
como Barack Obama (Estados Unidos), Angela Merkel (Alemanha) e David
Cameron (Reino Unido) não estarão no Rio de Janeiro. Assim, disse Ban, é
importante que os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(SDG, na sigla em inglês) sejam definidos, com termos “claros” e
“mensuráveis”.
Os SDGs, se
firmados entre os participantes da Rio+20, devem ser criados nos moldes
dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (também conhecidos como
Metas do Milênio). Estas metas funcionam bem, pois estabelecem problemas
genéricos, como “erradicar a pobreza”, e passos concretos para lidar
com eles, como “reduzir a um quarto, entre 1990 e 2015, a proporção da
população com renda inferior a US$ 1 por dia”. Assim, muitos governantes
conseguiram melhorar as condições de vida de sua população com base nas
Metas do Milênio. O raciocínio é que, com o desenvolvimento
sustentável, poderia ocorrer a mesma coisa.
Em recente
artigo, a diretora de Assuntos Sociais e Ambientais do Ministério das
Relações Exteriores da Colômbia, Paula Caballero Gómez, defendeu os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Segundo ela, se desenvolvidos
adequadamente, os SDGs “sem dúvida terão um papel fundamental de guias
para a sustentabilidade”, pois envolvem “métricas” e permitem que cada
ação seja mensurada. De acordo com ela, os objetivos devem tratar de
temas como segurança alimentar, gestão de recursos hídricos,
desenvolvimento de energias sustentáveis e a busca por eficiência no uso
de recursos naturais, entre outros.
Se os chamados
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável forem oficializados na Rio+20, o
mundo estaria diante de uma nova abordagem a respeito do tema. Esses
objetivos poderiam substituir outras formas de negociação fracassadas,
como a estipulação de metas por grupos de países, como as existentes no
Protocolo de Kyoto, descumpridas sistematicamente. Na coletiva desta
quarta, Ban Ki-moon afirmou que ainda não há definições a respeito do
prazo que os países teriam para cumprir as metas. Poderiam ser “cinco,
dez ou mais anos”, de acordo ele. Segundo o secretário, é importante que
os negociadores se empenhem. “Temos que ser práticos. Este mundo tem
limites em termos de recursos e temos de usá-los da melhor forma. É
preciso sabedoria política e coragem política para colocar as metas do
desenvolvimento sustentável em andamento”, disse.
Fonte:
Por
José Antonio Lima, Carta Capital
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