A coletânea a seguir
retrata a questão do tempo. Leia!
TEXTO I
Oração Ao
Tempo
Caetano Veloso
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo
Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo
Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo
Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo
O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo
Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...
TEXTO II
A filosofia e o consolo do tempo
O pensamento de Bergson indica
um sentido para nos libertarmos da ditadura do tempo
Débora Morato Pinto
O filósofo francês Henri
Bergson dedicou-se, ao longo de sua vida, a tentar compreender o tempo real.
Sua principal descoberta, princípio de todas as suas análises e de suas maiores
contribuições para a filosofia e para a ciência, foi precisamente o erro
estrutural que o saber comete ao definir o tempo como um fenômeno linear e
quantificável. Em poucas palavras, sua intuição primeira foi a de que o tempo
do relógio e da cronologia, tão caro à nossa vida em sua dimensão prática, não
corresponde à verdadeira manifestação da temporalidade, nem à sua verdadeira
essência – o tempo da práxis é duração em refração no espaço. Trata-se da
ilusão que impulsiona a vida e a técnica, a imagem de um tempo que avança por
saltos, intervalos, que se desdobra em linha e se divide em um antes, um agora
e um depois.
Mas Bergson não se limitou a
essa descoberta. A contrapartida da denúncia da imagem ilusória de um tempo
que, ao fim e ao cabo, é tempo-espaço, é a intuição de que a essência da
temporalidade se manifesta no mais profundo de nós mesmos. Eis a sua famosa
tese da duração real, descoberta na interioridade do eu e ampliada para todos
os fenômenos após um minucioso trabalho de desconstrução de conceitos e acesso
à experiência, aos dados da sensibilidade e aos fenômenos da memória e da vida.
Interessa-nos aqui que a duração real, verdade do tempo e do ser, nos é acessível
no contato que podemos ter conosco, ao mergulharmos, num processo de
interiorização, na profundidade de nossa pessoa. Ali, a temporalidade
manifesta-se como fusão de momentos em progressão, pura heterogeneidade
qualitativa marcada por um tom, transformação contínua de momentos interiores
uns aos outros. A verdadeira manifestação do tempo dá-se por imagens, entre as
quais a da melodia ocupa lugar de honra. Em lugar da espacialidade e do
horizonte aberto próprio às imagens visuais, a música representa melhor a
verdade do tempo.
“Cronos ensandecido”
Se levarmos em consideração que
o tempo da cronologia e do relógio é, com efeito, o tempo elaborado e seguido
pela vida contemporânea em sua dimensão social e, sobretudo, em sua dimensão
técnica – não sabemos mais dizer onde termina o humano e onde começa o inumano,
seja como ramificações tecnológicas, seja como atuações num mundo que é
publicização e imagem –, a filosofia de Bergson, uma vez compreendida e
incorporada, seria um consolo para os males do tempo por si só. Imaginemos o
alívio trazido pela descoberta de que o tempo que não para de passar, corroer,
aumentar, o time is money ao qual estamos submetidos
inexoravelmente, o tempo atrás do qual estamos sempre correndo, que nos
angustia, que nos devora, o cronos ensandecido (título do
livro de Sérgio Pripas) que nos aflige e nos falta, enfim, que esse tempo do
século 21 é uma imagem ilusória! Imagine sabermos, de repente, que o tempo não
passa como pensamos, que o antes não condiciona o agora, que o agora não determina
o depois, que não podemos saber o antes partindo do depois…
Mas esse consolo aqui sugerido
tem um preço: conhecer e aderir a uma única proposta filosófica, o que
exigiria, além do enorme esforço para estudá-la, a difícil decisão de abrir mão
das outras filosofias, de autores distintos, extremamente instigantes. Além
disso, a duração verdadeira, uma vez acessível a nós, nos impõe, de si mesma, a
tarefa de agirmos para expressá-la no mundo – a definição mesma de liberdade,
segundo Bergson. Assim, a questão que queremos colocar à luz dessas
considerações é de outra ordem: a filosofia, como atividade, ou aquilo que
podemos, mesmo sob o risco de cometer alguma impropriedade, reunir sob o nome
de “atividade filosófica” nos traz algum consolo diante das dificuldades ou das
intempéries do tempo?
A resposta mais óbvia seria,
talvez, pensar na imagem do filósofo que sai fora do mundo, que se afasta do
real, que cai no buraco porque anda examinando as estrelas – esse filósofo não
viveria, no sentido mais comum do tempo, e por isso não sofreria… Ele estaria
eternamente consolado. Mas Bergson mesmo nos indica outro sentido para nos
libertarmos da ditadura do tempo, e que não exige o abandono da vida, o refúgio
na ilha da abstração, no mundo dos conceitos. Esse sentido está no ritmo da
atividade filosófica, assim como no da arte: ler um belo parágrafo de um
clássico, que nos impele a dar voltas em torno dele, nos conduz a outros
pensamentos, a novas imagens daquilo mesmo que determinávamos como pedaços do
real; enfim, ler e escrever efetiva e ativamente sobre filosofia nos obriga a
forçar nosso pensamento e nossa capacidade de criar soluções conceituais (criar
conceitos, como diria Gilles Deleuze), significa já, em ato, libertar-se de um
tempo dirigido, determinado por um fim, medido por um intervalo. Criar uma obra
sem finalidade imediata, imprimir às coisas uma emoção, um sentimento, usar
enfim a matéria do mundo para expressar nossa pessoa, sua profundidade que
revela algo de universal, significa trazer ao tempo da práxis outro ritmo,
outra tensão: imprimir na espacialização da vida social e tecnológica um ritmo
que não é o seu. Significa, mais que tudo isso, ampliar o escopo de nossa
experiência, que passa a incorporar os efeitos de uma interiorização criativa.
Em que essa experiência nos consola? Ela acaba por ser, talvez, mais nossa,
nos pertencer de forma mais autêntica e, por isso mesmo, ser mais humana. Se
tudo isso ainda parecer excessivamente teórico, terminaríamos dando um exemplo
mais concreto: a filosofia é uma atividade praticada por estudantes e
estudiosos, professores e mestres, diletantes, até crianças, mas o fato é que,
ao poder ser significativamente exercida pelos ditos “velhos” (grandes
filósofos da história produziram obras das mais relevantes em idade
“avançada”), ela nos liberta de uma das mais difíceis imposições do tempo – a
da busca de uma juventude eterna, do tempo perdido. Na filosofia, assim como na
arte, o tempo nunca se perde, ele só se cria ou se transforma.
TEXTO III
TRABALHANDO A
GRAMÁTICA E A INTERPRETAÇÃO DOS TEXTOS
1. No
Texto I há referências metafóricas a respeito do tempo. A única opção em que
essa relação não ocorre é:
a) Senhor
b) Tambor
c) Inventivo
d) Legítimo
e) Compositor
2. A
repetição da palavra “tempo” ao longo do texto I:
a) Indica
total ausência de vocabulário
b) Enfatiza a passagem do tempo
c) Cria
a rima para a composição poética
d) Revela
a importância do tempo às pessoas
e) Questiona
a presença do tempo na vida prática
3. Segundo
o subtítulo do Texto II, a autora Débora Morato Pinto relaciona o tempo à / a:
a) Sabedoria
b) Prisão
c) Espaço
d) Valores
e) Medida
Repare que a tirinha do texto III não
apresenta linguagem verbal, somente a não verbal. No entanto, é texto, porque
dele se depreende toda a história, que possui a intenção de fazer humor.
4.
Como se
realiza o humor no texto?
a)
Pela
contradição.
b)
Pela
ironia.
c)
Pela crítica
à passagem do tempo.
d)
Pela
quebra de expectativa da leitura.
e)
Pelo duplo
sentido do termo tempo.
5.
Sobre a
organização do enredo, marque a opção correta:
a)
A
introdução está nos quadrinhos 1 e 2.
b)
O clímax
está no penúltimo quadrinho (5).
c)
O
desenvolvimento está nos quadrinhos 1 a 5.
d)
O desfecho
compreende os quadrinhos 5 e 6.
e)
O desfecho
compreende os três últimos quadrinhos (4 a 6).
PROPOSTA
Os textos reunidos acima abordam o TEMPO. Sabe-se que há
diversos níveis de discussão a respeito de sua importância e das formas de sua
existência. Assim, considerando toda a sua experiência de leitura, junto aos
textos dessa coletânea, redija uma redação DISSERTATIVA-ARGUMENTATIVA que
atenda à PROPOSTA:
A QUEM CABE O CONTROLE SOBRE A VIDA: AO
HOMEM OU AO TEMPO?
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