Sagarana é a primeira obra de Guimarães Rosa a sair em livro, traz
nove contos, nos quais o universo do sertão, com seus vaqueiros e jagunços,
surge no estilo marcante que o escritor iria aprofundar em textos posteriores.
O livro de estreia de João Guimarães Rosa foi publicado em sua
versão final em 1946. Os contos começaram a ser escritos em 1937, sendo
escolhido neste ano para concorrer ao prêmio literário “Graça Aranha”,
patrocinado pela Livraria José Olympio. Apesar de ser bastante comentado pela
crítica, ficou em segundo lugar e não foi escolhido para ser publicado.
Para o lançamento definitivo de Sagarana, a obra foi reduzida de
500 para 300 páginas, sendo composta de nove contos / novelas. Nesse processo,
o autor filtrou o que havia de melhor no texto, utilizando em seu peculiar
processo de invenção de palavras o hibridismo – que consiste na formação de
palavras pela junção de radicais de línguas diferentes. O título
do livro é composto dessa forma. Saga, radical de origem germânica, quer dizer
“canto heróico”; rana, na língua indígena, significa “espécie de”.
O livro que se destaca por expor de forma nítida toda a inventividade do
autor no trato com a linguagem literária.
A obra de Guimarães Rosa apresenta um regionalismo de novo
significado: a fusão entre o real e o mágico, de forma a radicalizar os
processos mentais e verbais inerentes ao contexto fornecedor de matéria-prima,
traz à tona o caráter universal. O folclórico, o pitoresco e o
documental cedem lugar a uma maneira nova de repensar as dimensões da cultura, flagrada em
suas articulações no mundo da linguagem.
De cunho regionalista, Saragana surpreendeu a crítica
e levou o escritor ao renome, em virtude da originalidade de sua linguagem e de
suas técnicas narrativas, que apontavam uma mudança substancial na velha
tradição regionalista.
Voltada para as forças virtuais da linguagem, a escritura de
Guimarães Rosa procede abolindo intencionalmente as barreiras entre narrativa e lírica,
revitalizando recursos da expressão poética: células rítmicas, aliterações, onomatopeias,
rimas internas, elipses, cortes e deslocamentos sintáticos, vocabulário
insólito, com arcaísmos e neologismos, associações raras, metáforas, anáforas,
metonímias, fusão de estilos.
Imerso na musicalidade da fala sertaneja, o autor procurou
fixá-la na melopeia de um fraseio no qual soam cadências populares e medievais.
As estórias desembocam sempre numa alegoria, e o
desenrolar dos fatos prende-se a um sentido ou "moral", à maneira das
fábulas. As epígrafes, que encabeçam cada conto, condensam sugestivamente a
narrativa e são tomadas da tradição mineira, dos provérbios e cantigas do
sertão.
A obra começa com uma epígrafe,
extraída de uma quadra de desafio, que sintetiza os elementos centrais da
obra - Minas Gerais, sertão, bois, vaqueiros e jagunços, o bem e o mal:
"Lá em cima daquela serra, passa boi, passa boiada, passa
gente ruim e boa, passa a minha namorada".
Elementos Estruturais
Os narradores de Sagarana têm o estilo marcante criado por
Guimarães Rosa, cuja principal característica é a oralidade. No entanto, esse traço
ainda não está tão acentuado como em obras posteriores, como Grande Sertão:
Veredas e Primeiras Estórias, entre outras. Considerando que a oralidade
acentuada é um dos principais obstáculos para a leitura de Guimarães Rosa, o
livro Sagarana é uma excelente opção para iniciar-se na obra do autor.
Em relação ao foco narrativo, com exceção dos contos
“Minha Gente” e “São Marcos” – que são narrados em primeira pessoa –, os demais possuem narradores em terceira pessoa. Quanto
ao tempo e ao espaço de Sagarana, pouco há o que ser dito. Sobre
o primeiro elemento, vale destacar a linearidade da narrativa, que se
desenvolve na maior parte sob o tempo psicológico dos personagens. O espaço é
quase sempre Minas Gerais. Mais especificamente, o interior do estado. Vale uma atenção
maior para o nome dos povoados e vilarejos dos contos. Os
estados de Goiás e do Rio de Janeiro são mencionados no livro, mas têm pouca
relevância na narrativa.
Resumo e análise
A volta do Marido Pródigo
Enredo
Lalino é um sujeito simpático, espertalhão e falante, avesso ao
trabalho, sabe como poucos contar uma estória. A chave para entendê-lo melhor
está em suas contínuas alusões a peças de teatro, quase sem ter visto nenhuma.
Ele parece constantemente representar, em tudo o que faz ou fala. Assim, sai-se
bem em tudo o que faz.
· Essas
são as aventuras de um herói picaresco, Eulálio Salãthiel (Lalino), que
abandona a mulher após seis meses de casado e vai conquistar o mundo. Antes de
viajar, consegue extorquir algum dinheiro de um espanhol interessado nela e que
dela iria tomar conta. Sua esposa,
Maria Rita, abandonada por ele, passa a morar com o espanhol
Ramiro.
Ao vender Ritinha, o protagonista abre mão do que lhe é mais caro,
mas que ele ainda não é, naquele momento, capaz de perceber.
Desiludido com o Rio de Janeiro retorna à sua terra e urde um
plano para recuperar a mulher - Maria Rita - e o prestígio junto ao povo do
lugar. Com paciência e astúcia, vence todos os obstáculos, recupera a mulher,
expulsa os espanhóis do lugarejo e reconquista o prestígio junto ao coronel
para cuja vitória nas eleições contribui.
Após ter passado por tudo o que passou, o Lalino do final não é
mais a mesma pessoa, que se engana no que decide fazer e apressa-se a reparar o
erro, nem tampouco se utiliza de todos os seus atributos de astúcia e
malandragem para recuperar o que havia perdido, mas sim, aprende a dar
importância às coisas que realmente devem ter importância atribuída.
Ele agora tem plena consciência de que deve cuidar de seu tesouro
mais precioso, pois, do contrário, corre o risco de entregá-lo, mais uma vez,
de mãos beijadas, a quem o estiver cobiçando.
Através de ironia claramente perceptível, o autor mostra lendas populares
da região dos Campos Gerais de Minas, assim como ditados que louvam a esperteza
e a paciência.
Personagens
1. Lalino Salãthiel: todos o chamam de Laio. Mulato vivo,
malandro, contador de histórias. Garante que conhece a capital, Rio de Janeiro,
mas nunca foi lá. Certa vez, foi realmente conhecê-la.
2. Maria Rita: mulher de Lalino; trata-o com especial carinho.
3. Marra: encarregado dos serviços; depois que a obra acabou,
mudou-se do arraial.
4. Ramiro: espanhol que ficou com Ritinha, a mulher de Lalino.
5. Waldemar: Chefe da Companhia.
6. Major Anacleto: chefe político do distrito, homem de princípios
austeros, intolerante e difícil de se deixar engambelar.
7. Tio Laudônio: irmão do Major Anacleto. Esteve no seminário,
vivia isolado na beira do rio. Poucas vezes vinha ao povoado. Chorou na barriga
da mãe, enxerga no escuro, sabe de que lado vem a chuva e escuta o capim
crescer. Era conselheiro do Major.
8. Benigno: inimigo político do Major Anacleto.
9. Estevão: capanga respeitado do Major Anacleto. Jamais ria.
Tinha pontaria invejável: atirava no umbigo para que a bala varasse cinco vezes
o intestino e seccionasse a medula, lá atrás. Cenário
Fazenda da Tampa, do Major Saulo, no interior de Minas Gerais.
Análise do conto
A narrativa aproxima-se das novelas picarescas e é um retrato
bem-humorado das oscilações interesseiras das convicções políticas do interior.
Novamente temos um burrinho, animal que, como os bois e cavalos, é
presença obrigatória nos contos de Sagarana, que a crítica define como um
verdadeiro "tratado de bovinologia". Esses animais são
humanizados e alegorizam a própria condição humana.
Características do conto
· Conto narrado em
3ª pessoa
· narrador
onisciente, (não participa da história).
· Conto, farto em
citações de lugares e personagens da região de Itaguara, assim como em conversa
de bois, os animais se transformam em heróis, questionando o saber dos homens
com o seu suposto não saber.
· O conto é uma
paródia da "parábola do filho pródigo”.
· Apresenta
traços de humor, presentes, principalmente, na maneira pela qual a personagem
protagonista é caracterizada como malandro folclórico. Essa
questão também é amparada na concepção de mundo às avessas presente na
narrativa.
· Não existe
julgamento moral a respeito de nenhuma das atitudes de Lalino, que poderiam,
segundo o senso comum, ser consideradas “más”.
·
Personagens do texto ditas respeitáveis são descritas como “não tão
respeitáveis assim”. No entanto, em qualquer caso, a leveza e a ironia com que
tais situações de desregramento moral são apresentadas amenizam a seriedade que
o tratamento desses assuntos poderia assumir.
· Na releitura(da
Parábola do filho pródigo, encontrado na Bíblia) de Guimarães Rosa há uma visão bem
diferente daquela encontrada no ensinamento moral que a parábola pretendeu
passar.
· No conto, o
que importa é retratar a personagem do malandro, do típico brasileiro que, para
tudo, dá um “jeitinho”.
Resumo do conto
Na introdução do conto o cenário é apresentado: homens trabalham
duro escavando o solo para dele retirar minério. Seu Marra é o encarregado, de
olho em todos para que o trabalhe ande a contento. Lalino Salãthiel é um mulato
vivo, malandro, que chega tarde ao trabalho e inventa desculpas. Em vez de
trabalhar duro, como os outros, inventa histórias, conta causos. A maioria
admira-o. Mas há quem enxergue nele apenas um aproveitador. Generoso acha que
Ramiro, um espanhol, anda rondando a mulher de Lalino.
Laio, naquela noite, não comparece à casa de Waldemar para a aula
de violão. No outro dia, fica em casa vendo umas revistas com fotografias de
mulheres. À tarde, vai à empresa e acerta as contas com Marra. Está disposto a
ir embora. Na volta para casa, encontra Ramiro, o espanhol que lhe anda
cercando Maria Rita. Nasce, imediatamente, um plano: tomar um dinheiro
emprestado do espanhol. O argumento é convincente: quer ir embora sem a mulher,
mas falta-lhe dinheiro para viajar. Ramiro empresta-lhe um conto de réis. Com o
dinheiro no bolso, Laio pegou o trem na estação rumo à capital do País. Seu
Miranda, que foi levá-lo, ainda tentou dissuadi-lo. Não conseguiu.
Um mês depois, Maria Rita ainda vivia chorando, em casa. Três
meses passados, Maria Rita estava morando com o espanhol. Todos diziam que Laio
era um canalha, que vendera a mulher para Ramiro. E assim,
passou-se mais de meio ano.
As aventuras de Lalino Salãthiel no Rio de Janeiro excederam à
expectativa. Seis meses depois, Laio estava quase sem dinheiro e começou a
sentir saudades. Tomou a decisão: ia voltar. Separou o dinheiro da passagem e
programou uma semana de despedida: "uma semaninha inteira de esbórnia e
fuzuê". Acabada a semana, Laio pegou o trem: queria só ver a cara daquela
gente quando o visse chegar!
Enquanto atravessava o arraial, Laio teve que ir respondendo às
chufas dos moradores. Finalmente, chegou à casa de Ramiro, o espanhol que se
apossou de Ritinha. Laio informou-lhe que estava de volta para devolver o
dinheiro do empréstimo. Ramiro, querendo evitar que Laio visse Ritinha, perdoou
o empréstimo: a dívida já estava quitada. Mas Laio insistiu: "eu
quero-porque-quero conversar com a Ritinha"! E disse isso com a mão perto
do revólver. O espanhol concordou, desde que não fosse em particular. De
repente, Laio esmoreceu: não queria mais ver a Ritinha. Queria só pegar o
violão. Depois, quis saber se o espanhol estava tratando bem a Ritinha. E
despediu-se. Primeiro pensou em ir à casa de seu Marra. Depois, dirigiu-se para
a beira do igarapé: era tempo de melancia. Depois de apreciar a paisagem, Laio
deu de cara com seu Oscar. Trocaram idéias, e Oscar prometeu que ia falar com o
velho (Major Anacleto) e tentar arranjar um trabalho para Laio na política.
Além de chefe político do distrito, Major Anacleto era homem de
princípios austeros, intolerante e difícil de se deixar engambelar. Quando
Oscar lhe falou de Laio, ele foi categórico: aquilo é um grandessíssimo
cachorro, desbriado, sem moral e sem temor a Deus... Vendeu a família, o
desgraçado.
Tio Laudônio era irmão do Major Anacleto. Esteve no seminário,
vivia isolado na beira do rio. Poucas vezes vinha ao povoado. Chorou na barriga
da mãe, enxerga no escuro, sabe de que lado vem a chuva e escuta o capim
crescer. Pois foi Tio Laudônio que intercedeu a favor de Laio. O Major
concordou. Era mandar chamar o mulato no dia seguinte.
Mas Laio não apareceu no dia seguinte. Só apareceu na fazenda na quarta-feira
de tarde. E topou logo com o Major Anacleto. Quando o Major tentou expulsá-lo
da fazenda, Laio deu-lhe notícias de todas as manobras políticas da região,
quem estava com o Major e quem o estava traindo. Já descobrira a estratégia do
Benigno para derrotar o Major na próxima eleição. Em troca de tanta informação,
pediu a proteção do Estêvão, o capanga mais temido do Major. Assim, o povo do
arraial ficou sabendo que Laio era o cabo eleitoral do Major Anacleto e, como
tal, merecia respeito.
Major Anacleto, depois do relatório de Laio, mandou selar a mula e
bateu para a casa do vigário. O padre teve de aceitar leitoa, visita, dinheiro,
confissão e o
cargo de inspetor escolar. Antes de o Major sair, o padre
contou-lhe que Laio estivera na igreja. Também se confessara e comungara e
ainda trocara duas velas para o altar de Nossa Senhora da Glória.
Quando o Major e Tio Laudônio passaram em frente à casa de Ramiro,
o espanhol aproveitou para denunciar Lalino: o mulato estava de amizade com
Nico, o filho do Benigno. Foram juntos à Boa Vista, com violões, aguardente, e
levando também o Estêvão. O Major ficou danado de zangado. Não via a hora de
encontrar o Laio.
Depois de peregrinar por todas as bandas, o Major voltou para a
fazenda, onde Laio já o esperava. Primeiro o Major xingou o mulato de muitos
nomes feios, depois Laio teve tempo de explicar: era tudo estratégia política
para saber das coisas. Passara, sim, em frente à casa de Ramiro, mas não o
insultara. Dera vivas ao Brasil porque não gostava de espanhóis. E tinha mais
(coisa que o Major não sabia): espanhol não vota porque é estrangeiro.
Houve um período de calmaria política em que Laio ficou tocando
viola e fazendo versos no meio da jagunçada do Major. Um dia, pediu um favor a
seu Oscar, filho do Major: que ele fosse ter com Ritinha e conversasse com ela,
mas sem dizer que era da parte do Laio. Oscar foi e fez o contrário: falou mal
do mulato, disse a Ritinha que o marido andava fazendo serenata para outras
mulheres. Aproveitou a proximidade e pediu-lhe um beijo. Ritinha expulsou-o,
não sem antes confessar que gostava mesmo era do Laio, que ia morrer gostando
dele. De volta, seu Oscar contou o contrário: que Ritinha não gostava mais do
marido gostava de verdade era do espanhol.
Certa tarde, depois de dormir um pouco na cadeira de lona, o Major
foi acordado com uma barulheira dos diabos. O mulherio no meio da casa, os
capangas lá fora, empunhando os cacetes, farejando barulho grosso. Ritinha
jogou-se aos pés do Major e suplicou-lhe proteção. Que não deixasse os
espanhóis levá-la à força dali. O Ramiro, com ciúmes, queria matá-la, matar o
Laio e, depois, suicidar-se. Disse tudo isso chorando e falando na Virgem
Santíssima.
O Major mandou chamar o Eulálio e foi informado de que o mulato
estava bebendo juntamente com uns homens que chegaram de automóvel. Foi a
conta: o Major pensou que eram da oposição e começou a xingar o Laio. Cabra
safado, traidor. Ia levar uma surra, pelo menos isso. Tio Laudônio procurava
acalmá-lo. De repente, lá vem o Laio dentro de um automóvel. E a surpresa foi
geral. Era gente do governo, Sua Excelência o Senhor Secretário do Interior. Aí
o Major desmanchou-se em sorrisos e gentilezas. E a autoridade satisfeita,
elogiando muito o Laio, pedindo ao Major que, indo à capital, levasse o mulato
junto.
O Major, contentíssimo, mandou trazer Maria Rita para as pazes com
Laio. Convocou a jagunçada e ordenou: "mandem os espanhóis tomarem
rumo"! Se miar, mete a lenha! Se resistir, berrem fogo!
SÃO MARCOS
São Marcos, segundo o próprio escritor, foi “a peça mais
trabalhada do livro – Sagarana (1946)”. Isso nos dá margem para outros enfoques
em seu estudo, como a importância da palavra no texto de Guimarães Rosa, que
tem o poder de transformar a realidade, uma vez que é através de uma reza que o
protagonista do conto se livra de um feitiço.
A teoria do realismo mágico é o que acontece no conto “São
Marcos”, em que o protagonista José, diz que não acreditava em feiticeiros e
magia (racional), mas andava com uma reza muito poderosa na carteira (consciência
mágica), revelando assim que seu racionalismo não é de todo verdade, já que usa
de meios místicos para se proteger. Ao mesmo tempo, essa reza irá simbolizar o
poder que a palavra “mágica” possui dentro do texto, livrando o personagem
desse feitiço no qual ele mesmo não acreditava.
Enredo
José, narrador-personagem, é supersticioso, mas mesmo assim zomba
dos feiticeiros do Calango-Frito, em especial de João Mangolô. Izé, como é
conhecido o protagonista, recita por zombaria a oração de São Marcos para Aurísio
Manquitola e é duramente repreendido por banalizar uma prece tão poderosa.
Certo dia, caminhando no mato, Izé fica subitamente cego e passa a
se orientar por cheiros e ruídos. Perdido e desesperado recita a oração de São
Marcos. Guiando-se pela audição e pelo olfato, descobre o caminho certo: a
cafua de João Mangolô. Lá, irado, tenta estrangular o feiticeiro e, ao retomar
a visão, percebe que o negro havia colocado uma venda nos olhos de um retrato
seu para vingar-se das constantes zombarias.
"São Marcos" apresenta uma notável complexidade
narrativa, em que confluem, em camadas, questões sobre a criação literária, o
problema da percepção, mitologias pagã e cristã, um complexo cultural e
religioso de matriz afro-brasileira, conflitos entre pensamento mágico, ciência
e religião. A narrativa problematiza o racismo contra o negro, remetendo o
leitor ao contexto histórico do século XIX brasileiro. No conto, ocupa posição
central o episódio de cegueira que vitima o narrador-protagonista, deflagrado
pela contenda cultural e ideológica deste contra o negro feiticeiro João
Mangolô, acusando representações hegemônicas assentadas no racismo como uma
forma de "alteridade radical".
Principais personagens – José, ou Izé (narrador), Aurísio
Manquitola e João Mangolô.
Resumo do conto
Calango-frito é um povoado onde se faz muita bruxaria. Mas o
narrador, Jozé, ou Izé, embora supersticioso, não acredita em feitiçaria. Em
suas visitas domingueiras ao mato das Três Águas sempre passa na cafua de João
Mangalô zombar de seus trabalhos.
Um dia, passeando para observar a natureza, Izé encontra Aurísio
Manquitola, que, sabendo que o outro conhecia a oração mágica de São Marcos
conta-lhe histórias sobre seus terríveis efeitos e poderes. Após uma longa
conversa, o narrador entra no meio do mato e se põe a contemplar. Começa a
recordar alguns versos de desafio poético: “Quem-Será” - escritos em gomos de
bambus. Envolve-se com a poesia do anônimo adversário, mas deixa para a volta a
surpresa dos últimos versos. Só que, de repente fica cego e se desespera. Aos
poucos vai se orientando pelos ruídos do mato, pelas vibrações dos ventos e
animais.
Irrita-se com a demora da luz e profere de raiva a oração de São
Marcos. Passa a andar obstinado numa única direção. Izé chega na casa do
feiticeiro Mangalô e, ao esganá-lo furiosamente, volta a enxergar.
O negro velho, por brincadeira vingativa, tinha amarrado uma tira
nos olhos de um boneco de bruxaria do narrador que vivia a lhe zombar.
Questões para estudo
Neste excerto, o narrador do conto "São Marcos" expõe
alguns traços de estilo que correspondem a características mais gerais dos
textos do próprio autor, Guimarães Rosa. Entre tais características só NÃO se
encontra a) o gosto pela palavra rara.
b) o emprego de neologismos.
c) a conjugação de referências eruditas e populares.
d) a liberdade na exploração das potencialidades da língua
portuguesa.
e) a busca da concisão e da previsibilidade da linguagem.
resposta:[E]
O conto "São Marcos", que integra a obra
"Sagarana", de João Guimarães Rosa, apresenta linguagem marcadamente
sinestésica, isto é, que ativa os órgãos sensoriais como meios de conhecimento
da realidade, em suas diferentes situações narrativas. No ponto culminante da
narrativa, o narrador é afetado em sua capacidade sensorial, particularmente
ligada:
a) ao olfato, que lhe permite perceber o "cheiro de musgo.
Cheiro de húmus.
Cheiro de água podre", bem como o "odor maciço, doce
ardido, do pau d'alho".
b) à visão, que lhe permite contemplar as plantas, as aves, os
insetos, as cores e os brilhos da natureza, como em "debaixo do angelim
verde, de vagens verdes, um boi branco, de cauda branca".
c) ao tato, que se ativa "com o vento soprando do sudoeste,
mas que mudará daqui a um nadinha, sem explicar a razão", além de lhe
permitir sentir o "horror estranho que riçava-me a pele e os pelos".
d) ao paladar, ativado na mastigação "de uma folha cheirã da
erva-cidreira, que sobe em tufos na beira da estrada", e usada, segundo a
personagem, para "desinfetar".
e) à audição, que lhe faculta "distinguir o guincho do paturi
do coincho do ariri, e até dissociar as corridas das preás dos pulos das
cotias, todas brincando nas folhas secas".
resposta: [B]
No conto "São Marcos", que integra a obra Sagarana, de
Guimarães Rosa, a narrativa ganha corpo ao relatar os episódios que envolvem o
protagonista em suas andanças domingueiras. Ao mesmo tempo, apresenta-se
marcadamente poética, com original elaboração de linguagem em que as palavras
têm "canto e plumagem".
Há, inclusive, no conto, um espaço em que a construção da poesia
se manifesta concretamente. Tal espaço é:
a) o bambual, cujos bambus, muito asiáticos, rumorejam aos vôos do
vento e onde também se dá um floral desafio.
b) o Calango-Frito, onde mora o protagonista, que não acredita em
feiticeiros.
c) o mato das Três-Águas, o "sancto-dos-sanctos", lugar
de contemplação da natureza.
d) a cafua do Mangolô, de quem Izé zomba por ser negro e pela
prática de feitiçaria.
e) as Rendas da Vara, onde também se escutam os sete rumores do
riacho e se veem as avencas de folhagem minuciosa.
Resolução
O desafio poético, com a personagem que o narrador designa como
Quem-Será, ocorre no meio do mato, entre os bambus, como indica a alternativa
a.
(CEFET-PR) Sobre os contos de Sagarana é INCORRETO afirmar:
A) A volta do marido pródigo demonstra, no comportamento do
protagonista, o poder criador da palavra, dimensão da linguagem tão apreciada
por Guimarães Rosa.
B) Tanto em Corpo fechado quanto em Minha gente o espaço é variado,
deslocando-se a ação de um lugar para outro. C) Em Duelo e Sarapalha figuram
personagens femininas cujos traços não aparecem nas mulheres de outros contos.
D) O burrinho pedrês, Conversa de bois e São Marcos trabalham com a
mudança de narradores.
E) A hora e a vez de Augusto Matraga não apresenta a inserção de
casos ou narrativas secundárias.
(UPF) Nos contos de Sagarana, Guimarães Rosa resgata,
principalmente, o imaginário e a cultura:
A) da elite nacional
B) dos proletários urbanos
C) dos povos indígenas
D) dos malandros de subúrbio
E) da gente rústica do interior
Dentre os contos de Sagarana existe um em que o narrador sustenta
um duelo literário com outro poeta, chamado Quem será, e no qual se fazem
várias considerações sobre a natureza da poesia. Numa metáfora do
condicionamento do homem, resistente a aceitação do novo e diferente, o autor
leva a personagem a passar por um período de cegueira. A partir daí a
personagem descobre a mutilação dos sentidos, que agora se abrem a outras
vertentes da realidade.
Em qual dos contos abaixo se discute essa questão?
a) A hora e a vez de Augusto Matraga
b) Duelo
c) Conversa de Bois
d) São Marcos
e) Corpo fechado
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