quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Camões no vestibular: algumas atividades com gabarito

01. Assinale a incorreta sobre Camões:

a) Sua obra compreende os gêneros épico, lírico e dramático.
b) A lírica de Camões permaneceu praticamente inédita. Sua primeira compilação e póstumas, datada de 1595, e organizada sob o título de As Rimas de Luis de Camões, por Fernão Rodrigues Lobo Soropita.
c) Sua lírica compõe-se exclusivamente de redondilhas e sonetos.
d) Apesar de localizada no período clássico-renascentista, a obra de citações barrocas.
e) Representa a amadurecimento de língua portuguesa, sua estabilização e a maior manifestação de sua excelência literária.



02. Ainda sobre Camões, assinale a incorreta:

a) Não há um texto definitivo de lírica camoniana. Atribuem-se-lhe cerca de 380 composições líricas,
destacando-se os cerca de 200 sonetos, alguns de autoria controversa.

b) Camões teria reunido sua lírica sob o titulo de O Parnaso Lusitano, que se perdeu, e do qual há algumas referências nas cartas do poetas.

c) As redondilhas de Camões seguem os moldes da poesia palaciana do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e , mesmo na medida velha, o poeta superou seus contemporâneos e antecessores.

d) A lírica na medida velha, tradicional, medieval, vale-se dos motes glosados, das redondilhas e são de cunho galante, alegre madrigalesco.

e) A principal diferença entre a poesia lírica e a poesia épica é formal e manifesta-se da utilização de versos de diferentes metros.



03. Não são modalidade da medida nova:
 

a) canção e elegia;
b) soneto e ode;
c) terceto e oitava;
d) écloga e sextina;
e) trova e vilancete.



04. (FUVEST-SP) Na Lírica de Camões:

a) o verso usado para a composição dos sonetos é o redondilho maior;
b) encontram-se sonetos, odes, sátiras e autos;
c) cantar a pátria é o centro das preocupações;
d) encontra-se uma fonte de inspiração de muitos poetas brasileiros do século XX;
e) a mulher é vista em seus aspectos físicos, despojada de espiritualidade.
 


05. (MACKENZIE-SP) Sobre o poema Os Lusíadas, é incorreto afirmar que:
 

a) quando a ação do poema começa, as naus portuguesas estão navegando em pleno Oceano Índico,
portanto no meio da viagem;
b) na Invocação, o poeta se dirige às Tágides, ninfas do rio Tejo;
c) Na ilha dos Amores, após o banquete, Tétis conduz o capitão ao ponto mais alto da ilha, onde lhe
descenda a “máquina do mundo”;
d) Tem como núcleo narrativo a viagem de Vasco da Gama, a fim de estabelecer contato marítimo com as Índias;
e) É composto em sonetos decassílabos, mantendo em 1.102 estrofes o mesmo e
squemas de rimas.



06. (Vunesp-SP) Os paradoxos do sentimento amoroso constituem um dos temas favoritos de sua poesia lírica, exercida sobretudo nos sonetos.
a) De que poeta se trata?
b) Indique um texto do poeta em que este sentimento contraditório se manifesta.


07. (Fuvest-SP) Camões escreveu obra épica ou lírica? Justifique sua resposta, exemplificando com obras do autor.

08. (Unicamp-SP)
"Amor é fogo que arde sem se ver;
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer."

                                              Camões

"Terror de amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e separa."
                                 Sophia de Mello Breyner Andresen.

Dos dois textos transcritos, o primeiro é de Luís Vaz de Camões (século XVI) e o segundo é de Sophia de Mello B. Andresen (século XX). Compare-os, discutindo, através de critérios formais e temáticos, aspectos em que ambos se aproximam e aspectos em que ambos se distanciam um do outro.


01 - C
02 - E
03 - E
04 - D
05 - E

06
a)
Luís Vaz de Camões.
b)
"Amor é fogo que arde sem se ver".


07-
- Camões escreveu obra épica e lírica. O poema épico Os Lusíadas, publicado em 1572, narra a viagem de Vasco da Gama às Índias e a História de Portugal. Os poemas líricos - sonetos, elegias, cantigas, redondilhas - estão reunidos em Rimas, obra publicada postumamente em 1595.


08-
- O texto 1 é clássico e apresenta preocupação formal: os versos são rimados e metrificados; o texto 2 apresenta versos brancos e livres. Ambos se aproximam pela temática amorosa e pelo tratamento dado a ela: abordam o amor como algo contraditório, que causa dor, sofrimento.
 






                                                                                                                                                                                                                                                                                                      











Mais sobre Camões! Não deixe de ler o post anterir sobre o mesmo autor.

Os Sonetos de Camões

Introduzido em Portugal por Sá de Miranda, coube a Camões assegurar o triunfo do soneto, mercê de sua irresistível vocação lírica; do seu gosto pela análise das finezas do sentimento amoroso; do equilíbrio entre a agudeza conceitual, a perfeição formal e a expressão comovida dos transes existenciais do poeta; da musicalidade feliz que, por trás do rigor da construção, faz parecerem espontâneos os decassílabos.

Os sonetos de Camões são a parte mais conhecida de sua lírica; os melhores que escreveu são os melhores de toda a literatura da língua portuguesa.


Camões é o maior poeta lírico do Classicismo português.

Dotado de inegável genialidade, coube a ele a melhor performance do soneto em língua portuguesa. Camões segue estritas regras de composição, obedecendo ao princípio da imitação, embebendo-se em fontes italianas como as do poeta Petrarca.

A brevidade do soneto - dois quartetos, dois tercetos - requer grande concentração emocional, geralmente disposta sob a forma de tese-antítese com desfecho conclusivo que busca a síntese ou a unidade. A linguagem é condensada no decassílabo, utilizando a palavra de forma precisa, permeada pelo controle rígido da razão, mesmo quando o tema é uma aparente desordem.

Veja a análise do poema "Amor é um fogo que arde sem se ver"

Análise do poema Alma minha gentil, que te partiste


Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta sida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cd me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou


O soneto, que os biógrafos associam à morte de Dinamene, chinesa com quem Camões teria vivido em Macau, é dos mais conhecidos. Segundo a tradição, acusado de delitos administrativos, Camões e Dinamene teriam sido levados da China para a Índia, onde seria julgado o poeta. Na viagem, por volta de 1560, o navio naufraga nas costa do Camboja, junto à foz do rio Mekong.

Camões teria conseguido salvar-se e salvar Os Lusíadas, que trazia quase concluído, mas teria perdido Dinamene, a sua "alma gentil", relembrada em elevado tom elegíaco, quase místico.

O platonismo revela-se, no soneto, pela sublimação eternizadora da amada, a partir de sua morte. O poeta contempla a amada transubstanciada em puro espírito ("lá no assento etéreo"), por via do muito amar.

O apelo aos sentidos é transcendentalizado, imaterializado buscando Dinamene no Céu, em Deus, entendidos como valores filosóficos, míticos, e não apenas religiosos ou cristãos. A morte implica uma espécie de purificação. A amada, que partiu para esse "mundo das idéias e formas eternas", também se torna objeto de elevação e saudade. Mas a "reminiscência", neste caso, tem mão dupla: do poeta, que se eleva à beleza imaterial da amada, como usual, e também na direção oposta, pois o poeta sugere a possibilidade de que a amada se lembre dele, "lá do assento etéreo".

O poeta equilibra a expressão de seus transes existenciais com a disciplina clássica.

Emoção e razão, expressão pessoal e imitação modelam uma dicção sóbria, contida, mas nem por isso menos comovente. Mesmo quando aproveita o material autobiográfico, não há o "descabelamento" desesperado dos românticos. A morte da amada serve também ao exercício poético da imitação, no caso, do modelo petrarquista: "Quest anima gentil che si diparte / Anzi tempo chiamata a l'altra vita".

Observe que, curiosamente, em "Alma minha..." o ouvido de Camões foi indiferente a uma cacofonia ("maminha"), que hoje seria de todo modo evitada.

A situação conflitante que o poeta retrata projeta uma tensão que se aproxima do Maneirismo e, por essa via, do Barroco: a presença da morte, o tom fatalista, o dualismo que opõe vida e morte, passado e presente, serenidade e sofrimento.

Além do tema amoroso, Camões se faz cantor dos desconcertos do mundo. Espírito muito atento à sua época, tem plena consciência de que tudo muda, nada é eterno.

O homem, embora queira sempre atingir o ideal e a perfeição, depara-se com a terrível restrição imposta pela própria condição humana. O poeta chega à conclusão de que não existe o absoluto ou o eterno, restando a ele divagar sobre o real e o ideal, o eterno e o transitório, a morte e a vida, o pessoal e o universal. Nesses pares, encontram-se as mais profundas tensões que a lírica já deixou transparecer.

Orientações sobre a obra: Sonetos de Luiz de Camões.

Lembre-se: O resumo de livro e a orientações sobre a obra servem para você relembrar, rever o que foi lido para a hora da prova. Nada substitui a leitura da íntegra do livro! Não perca a chance de nenhuma boa leitura!

                              

Sonetos - Luís de Camões

               
Publicados a partir de 1595, portanto, postumamente (seu autor morrera então entre 1579 e 1580, provavelmente), os sonetos de Camões têm desde então assumido um lugar de destaque em toda a literatura de língua portuguesa, tornando-se grande influenciador até da poesia atual (são vários os poetas que de uma forma ou de outra se mostraram influenciados por Camões. No Barroco, encontramos Gregório de Matos Guerra. No Arcadismo, deve-se lembrar os nomes de Bocage, em Portugal, e Cláudio Manuel da Costa, no Brasil. Já no Romantismo, é vasta a lista dos literatos que se inspiraram no seu modelo, principalmente na teoria de que o amor é um sentimento que não pode ser devassado pela razão, como se percebe tão bem no célebre soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”. Aliás, essa forma poemática, consagrada pelo grande poeta português, tornou-se muito comum no Parnasianismo e no Simbolismo, sendo mais para frente usada no Pré-Modernismo, nas mãos de Augusto dos Anjos. Por fim, o Modernismo, que ingenuamente é caracterizado como escola que rejeita o passado, a tradição, também tem se inspirado em Camões. É o caso de Vinicius de Moraes).
Essa forma poemática é bastante antiga e pode ser definida como qualquer poema constituído por 14 versos. No entanto, a configuração consagrada por Camões em nossa língua foi criada pelo renascentista italiano Francesco Petrarca e se constitui de 14 versos decassílabos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos.
No entanto, a força petrarquiana (deve-se lembrar que, se Camões é influenciado por Petrarca, isso de maneira alguma indica uma inferioridade daquele em relação a este. Muito pelo contrário, há momentos em que o poeta português chega a superar o italiano, até mesmo quanto parafraseia os poemas deste, como é o caso do célebre “Alma minha gentil, que te partiste”) não se manifesta apenas nesse aspecto formal. No campo temático tal também irá se realizar, como podemos perceber no texto abaixo:
 
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
 
Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma está liada.
 
Mas esta linda e pura semidéia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assi co a alma minha se conforma,
 
está no pensamento como idéia:
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.
 
Note no texto acima que o poeta não apenas confessa seus sentimentos. Há uma análise, um filosofar sobre eles, o que possibilita caracterizar seu lirismo como reflexivo. Não é à toa, portanto, que predomina no poema um amplo jogo de raciocínio, revelado por conectivos ou articuladores que revelam um caminhar lógico de pensamento, como “por virtude”, “logo”, “pois”, “se”.
Tal estrutura filosófica é também percebida pela própria engenharia do texto. Veja que o primeiro verso é uma tese, explicada no segundo. O terceiro verso é uma exemplificação do postulado do primeiro. O quarto verso é uma explicação/justificação do que está exposto no anterior.
Outro aspecto importante e que será encontrado no conjunto da obra é o uso de uma primeira pessoa que não compromete o ideal de universalismo tão cobrado em sua escola literária, o Classicismo. Ou seja, o que é apresentado nos terceiro e quarto versos (o eu-lírico não deseja a amada) é exemplificação da tese exposta no primeiro verso.
É notável em tal soneto outra influência de Petrarca, que é a presença do neoplatonismo. No entanto, Camões reinterpreta-o de sua própria maneira, o que permite identificar o que se chama da neoplatonismo camoniano. Para perceber esse aspecto de forma mais nítida, analisemos o soneto a seguir.
 
Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.
 
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.
 
E se vires que pode merecer-te
algüa cousa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,
 
roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver te,
quão cedo de meus olhos te levou.
 
Esse texto trabalha com oposições entre “lá” e “cá”, “Céu” e “terra”, “repousa (...) eternamente” e “viva (...) sempre triste”, que podem ser interpretadas como uma antinomia entre feminino e masculino: à amada cabem os primeiros termos; ao eu-lírico, os segundos. Mas pode ser vista também uma oposição entre céu/espírito (ela), com características positivas, e terra/carne (ele), com características negativas. Esse é o contraste básico do neoplatonismo, de acordo com o qual a matéria, a carne, o corpóreo, é inferior ao ideal, ao espiritual. É dentro desse terreno que surge a expressão “amor platônico”, ou seja, aquele que se manifesta plenamente sem a necessidade do carnal, do corpóreo, preso apenas à idéia, ao pensamento. É a tese presente nos quartetos do outro soneto, “Transforma-se o amador na cousa amada”.
No entanto, os versos 7-8 de “Alma minha gentil, que te partiste” demonstram como Camões reinterpreta essa teoria. Basta observar que o eu-lírico pede que sua amada, um espírito, lembre-se do amor ardente (obviamente, de valor carnal) que ele já mostrara tão puro nos próprios olhos (obviamente, um valor espiritual). Há, portanto, uma fusão entre carnal e espiritual, ou seja, entre matéria e idéia – o espiritual tem elementos carnais e o carnal tem elementos espirituais. Essa mesma fusão é percebida em “Transforma-se o amador na cousa amada”, basicamente entre a idéia dos quartetos (primado do espiritual) e os tercetos (primado do carnal). Sua conclusão é a de que a idéia precisa da matéria para se realizar plenamente.
O soneto anteriormente exposto, ao opor masculino e feminino, acaba derramando elementos carnais ao homem e quase os eliminando por completo na mulher, que acaba se tornando uma figura etérea, divina. Eis outra clara influência petrarquista. É o que se percebe abaixo.
 
Quando da bela vista e doce riso,
tomando estão meus olhos mantimento,
tão enlevado sinto o pensamento
que me faz ver na terra o Paraíso.
 
Tanto do bem humano estou diviso,
que qualquer outro bem julgo por vento;
assi, que em caso tal, segundo sento,
assaz de pouco faz quem perde o siso.
 
Em vos louvar, Senhora, não me fundo,
porque quem vossas cousas claro sente,
sentirá que não pode merecê-las.
 
Que de tanta estranheza sois ao mundo,
que não é de estranhar, Dama excelente,
que quem vos fez, fizesse Céu e estrelas.
 
Note que as características da amada pertencem ao plano espiritual divino, o que faz o poeta ver o Paraíso e sentir-se distante do plano humano. A figura feminina é, portanto, extremamente valorizada, pois é ela quem permite voltar ao bem inicial, o Paraíso (do cristianismo) ou o Mundo das Idéias (do platonismo).
Mas boa parte dos textos analisados faz lembrar um elemento marcante da poesia camoniana: o Maneirismo. Trata-se de uma vertente que de um lado mantém afinidade com o Classicismo, principalmente em seu aspecto formal. Mas, por outro lado, afasta-se, pois busca um rebuscamento da linguagem que se aproxima do estranho, do extravagante do Barroco. É o que se identifica no mais célebre soneto camoniano, transcrito a seguir.
 
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
 
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
 
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
 
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
 
Observe que o mais interessante nesse texto é que ele utiliza uma metodologia filosófico-científica ao trabalhar com uma definição: sujeito (amor), verbo de ligação (“é”) e predicado que define o elemento estudado. No entanto, bastante curioso é perceber que esse predicado, ao invés de precisar o objeto de análise, mais impreciso o torna, pois o faz por meio de antíteses, paradoxos e oxímoros, figuras de linguagem muito utilizadas no Maneirismo e Barroco. No entanto, não se deve entender esse esquematismo lingüístico como uma mera brincadeira com as palavras. A proposta é bem mais séria e se encaminha para a idéia de que o amor é um sentimento que não pode ser definido, ou seja, que não pode ser controlado pela razão – tese, aliás, caríssima entre os românticos.
É também característica maneirista muito presente em Camões a visão desencantada, pessimista em relação à vida. Note como tal se observa no poema abaixo.
 
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
 
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
 
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
 
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
 
A experiência amorosa, como se vê, nem sempre é apresentada como positiva. Aliás, a lírica camoniana aborda as múltiplas facetas desse sentimento, desde o encantamento graças ao contato com o objeto amado até a dor provocada pela frustração de expectativas ou pelo fim de um relacionamento. Mas o mais chamativo, como se disse, é este segundo aspecto, que faz o poeta encarar o conhecimento amoroso como produtor de dores e decepções. Ainda assim, é curioso notar que o poeta ainda consegue, por pior que seja a sua situação, expressar, no quinto verso, uma ironia, amarga, mas que revela um caráter espirituoso.
No entanto, seu lirismo não se coloca restrito ao amor. Há também em Camões uma abordagem filosófica que se envereda pelos problemas que afetam a existência humana, como se detecta no texto a seguir.
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
 
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.
 
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria, e, enfim,
converte em choro o doce canto.
 
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.
 
Enfrenta-se aqui um tema antiquíssimo, presente até no livro bíblico Eclesiastes e na literatura das antigas Grécia e Roma, que é a efemeridade, ou seja, o caráter passageiro dos bens da vida.  Sua conclusão, no entanto, acaba por assumir, por meio de sua idéia paradoxal, um tom típico do Maneirismo, lembrando o tom dos textos barrocos.
Portanto, entende-se por que a obra lírica de Camões, principalmente os sonetos, acaba por se tornar um monumento da língua portuguesa, não apenas por causa da maneira como sua linguagem é elaborada, com graça, equilíbrio e maestria, mas também pelo denso conteúdo que expressa e toca fundo nas experiências humanas. Seus sonetos, pois, assumem facilmente a posição de clássicos.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Interpretação de Textos e os Modernos Vestibulares

Interpretar exige raciocínio, discernimento e compreensão do mundo

A interpretação de textos é de fundamental importância para o vestibulando. Você já se perguntou por quê? Há alguns anos, as provas de Português, nos principais vestibulares do país, traziam uma frase, e dela faziam-se as questões. Eram enunciados soltos, sem conexão, tão ridículos que lembravam muito aquelas frases das antigas cartilhas: "Ivo viu a uva". Os tempos são outros, e, dentro das modernas tendências do ensino de línguas, fica cada vez mais claro que o objetivo de ensinar as regras da gramática normativa é simplesmente o texto. Aprendem-se as regras do português culto, erudito, a fim de melhorar a qualidade do texto, seja oral, seja escrito.
Nesse sentido, todas as questões são extraídas de textos, escolhidos criteriosamente pelas bancas, em função da mensagem/conteúdo, em função da estrutura gramatical. Ocorrem casos de provas contextualizadas, em que todos os textos abordam o mesmo assunto, ou seja, provas monotemáticas - exemplo adotado pela PUC/RS. Por sua vez, a Unisinos prefere o tema único nas 50 questões de humanas (Português, Língua Estrangeira, Geografia e História ).
Dessa maneira, fica clara a importância do texto como objetivo último do aprendizado de língua.


Quais são os textos escolhidos?

Textos retirados de revistas e de jornais de circulação nacional têm a preferência. Portanto, o romance, a poesia e o conto são quase que exclusividade das provas de Literatura (que também trabalham interpretação, por evidente). Assim, seria interessante observar as características fundamentais desses produtos da imprensa.


Os Artigos

São os preferidos das bancas. Esses textos autorais trazem identificado o autor. Essas opiniões são de expressa responsabilidade de quem as escreveu - chamado aqui de articulista - e tratam de assunto da realidade objetiva, pautada pela imprensa. Vejamos um exemplo: um dado conflito eclode em algum ponto do planeta (a todo o instante surge algum), e o professor Décio Freitas, historiador, abordará, em seu artigo em ZH, os aspectos históricos do embate. Portanto, os temas são, quase sempre, bem atuais.
Trata-se, em verdade, de texto argumentativo, no qual o autor/emissor terá como objetivo convencer o leitor/receptor. Nessa medida, é idêntico à redação escolar, tendo a mesma estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão.

Exemplo de Artigo
Os nomes de quase todas as cidades que chegam ao fim deste milênio como centros culturais importantes seriam familiares às pessoas que viveram durante o final do século passado. O peso relativo de cada uma delas pode ter variado, mas as metrópoles que contam ainda são basicamente as mesmas: Paris, Nova Iorque, Berlim, Roma, Madri, São Petesburgo.
(Nelson Archer - caderno Cidades, Folha de S. Paulo, 02/05/99)


Os Editoriais

Novamente, são opinativos, argumentativos e possuem aquela mesma estrutura. Todos os jornais e revistas têm esses editoriais. Os principais diários do país produzem três textos desse gênero. Geralmente um deles tratará de política; outro, de economia; um outro, de temas internacionais. A diferença em relação ao artigo é que o autor, o editorialista, não expressa sua opinião, apenas serve de intermediário para revelar o ponto de vista da instituição, da empresa, do órgão de comunicação. Muitas vezes, esses editoriais são produzidos por mais de um profissional. O editorialista é, quase sempre, antigo na casa e, obviamente, da confiança do dono da empresa de comunicação. Os temas, por evidente, são a pauta do momento, os assuntos da semana.


As Notícias

Aqui temos outro gênero, bem diverso. As notícias são autorais, isto é, produzidas por um jornalista claramente identificado na matéria. Possuem uma estrutura bem fechada, na qual, no primeiro parágrafo (também chamado de lide), o autor deve responder às cinco perguntinhas básicas do jornalismo: Quem? Quando? Onde? Como? E por quê?
Essa maneira de fazer texto atende a uma regra do jornalismo moderno: facilitar a leitura. Se o leitor/receptor desejar mais informações sobre a notícia, que vá adiante no texto. Fato é que, lendo apenas o parágrafo inicial, terá as informações básicas do assunto. A grande diferença em relação ao artigo e ao editorial está no objetivo. O autor quer apenas "passar" a informação, quer dizer, não busca convencer o leitor/receptor de nada. É aquele texto que os jornalistas chamam de objetivo ou isento, despido de subjetividade e de intencionalidade.

Exemplo de Notícia
O juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, negou-se a responder ontem à CPI do judiciário todas as perguntas sobre sua evolução patrimonial. Ele invocou a Constituição para permanecer calado sempre que era questionado sobre seus bens ou sobre contas no exterior.
(Folha de S. Paulo, 05/05/99)


As Crônicas

Estamos diante da Literatura. Os cronistas não possuem compromisso com a realidade objetiva. Eles retratam a realidade subjetiva. Dessa maneira, Rubem Braga, cronista, jornalista, produziu, por exemplo, um texto abordando a flor que nasceu no seu jardim. Não importa o mundo com suas tragédias constantes, mas sim o universo interior do cronista, que nada mais é do que um fotógrafo de sua cidade. É interessante verificar que essas características fundamentais da crônica vão desaparecendo com o tempo. Não há, por exemplo, um cronista de Porto Alegre (talvez o último deles tenha sido Sérgio da Costa Franco).
Se observarmos o jornal Folha de S. Paulo, teremos, junto aos editoriais e a dois artigos sobre política ou economia, uma crônica de Carlos Heitor Cony, descolada da realidade, se assim lhe aprouver (Cony, muitas vezes, produz artigos, discutindo algo da realidade objetiva). O jornal busca, dessa maneira, arejar essa página tão sisuda. A crônica é isso: uma janela aberta ao mar. Vale lembrar que o jornalismo, ao seu início, era confundido com Literatura. Um texto sobre um assassinato, por exemplo, poderia começar assim: " Chovia muito, e raios luminosos atiravam-se à terra. Num desses clarões, uma faca surge das trevas..." Dá-se o nome de nariz de cera a essas matérias empoladas, muito comuns nos tempos heróicos do jornalismo.
Sobre a crônica, há alguns dados interessantes. Considerada por muito tempo como gênero menor da Literatura, nunca teve status ou maiores reconhecimentos por parte da crítica. Muitos autores famosos, romancistas, contistas ou poetas, produziram excelentes crônicas, mas não são conhecidos por isso. Carlos Drummond de Andrade é um belo exemplo. Pela grandeza de sua poesia, o grande cronista do cotidiano do Rio de Janeiro foi abafado. O mesmo pode-se falar de Olavo Bilac, que, no início do século passado, passou a produzir crônicas num jornal carioca, em substituição a outro grande escritor, Machado de Assis.
Essa divisão dos textos da imprensa é didática e objetiva esclarecer um pouco mais o vestibulando. No entanto, é importante assinalar que os autores modernos fundem essa divisão, fazendo um trabalho misto. É o caso de Luis Fernando Verissimo, que ora trabalha uma crônica, com os personagens conversando em um bar, terminando por um artigo, no qual faz críticas ao poder central, por exemplo. Martha Medeiros, por seu turno, produz, muitas vezes, um artigo, revelando a alma feminina. Em outros momentos, faz uma crônica sobre o quotidiano.

Exemplo de Crônica
Quando Rubem Braga não tinha assunto, ele abria a janela e encontrava um. Quando não encontrava, dava no mesmo, ele abria a janela, olhava o mundo e comunicava que não havia assunto. Fazia isso com tanto engenho e arte que também dava no mesmo: a crônica estava feita.
Não tenho nem o engenho nem a arte de Rubem, mas tenho a varanda aberta sobre a Lagoa - posso não ver melhor, mas vejo mais. Otto Maria Carpeaux não gostava do gênero "crônica", nem adiantava argumentar contra, dizer, por exemplo, que os cronistas, uns pelos outros, escreviam bem. Carpeaux lembrava então que escrever é verbo transitivo, pede objeto direto: escrever o quê? Maldade do Carpeaux. (...)
Nelson Rodrigues não tinha problemas. Quando não havia assunto, ele inventava. Uma tarde, estacionei ilegalmente o Sinca-Chambord na calçada do jornal. Ele estava com o papel na máquina e provisoriamente sem assunto. Inventou que eu descia de um reluzente Rolls Royce com uma loura suspeita, mas equivalente à suntuosidade do carro. Um guarda nos deteve, eu tentei subornar a autoridade com dinheiro, o guarda não aceitou o dinheiro, preferiu a loura. Eu fiquei sem a multa e sem a mulher. Nelson não ficou sem assunto.
(Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, 02/01/98)


A interpretação serve para Química!

Responda rápido a uma pergunta: O que há em comum entre os vestibulandos aprovados nos primeiros lugares? Será que possuem semelhanças? Sim, de fato, o que os identifica é a leitura e a curiosidade pelo mundo que os cerca. Eles lêem bastante, e lêem de tudo um pouco. As instituições de ensino superior não querem mais aquele aluno que decora regrinhas. Elas buscam o cidadão que possui leitura e conhecimento de mundo. Nesse aspecto, as questões, inclusive das provas de exatas, muitas vezes pedem criticidade e compreensão de enunciados. Quantas vezes você, caro vestibulando, não errou uma questão de Física ou de Biologia por não entender o que foi pedido. Pois estamos falando de interpretação de textos. A leitura e a interpretação tornam-se, dessa maneira, exigência de todas as disciplinas. E não pense que essa capacidade crítica de entender o texto escrito (e até falado) é exclusividade do vestibular. Quando você for buscar uma vaga no mercado de trabalho, a criticidade, a capacidade de comunicação e de compreensão do mundo serão atributos importantes nessa concorrência. Lembre-se disso na hora de planejar os estudos para os próximos vestibulares.

A estrutura do texto jornalístico

Redação - notícia

Alfredina Nery *
Especial para a Página 3 - Pedagogia e Comunicação
Se a narração é o gênero de redação em que uma história é contada (seja uma fábula ou uma crônica), com o uso de recursos como flashbacks, suspense, narrador em primeira ou terceira pessoa, etc., a notícia é o relato do fato, com texto, geralmente, mais simples, seco. Você vai entendar como funciona.


Você acredita que a notícia que ouvimos no rádio, assistimos na TV, lemos no jornal impresso ou na Internet é um fato em si ou é uma interpretação de um fato? Para responder isso, observe por alguns segundos a figura reproduzida acima. O que você vê? Uma vaca? Se você respondeu que sim, a sua resposta estava quase certa. Não se trata de uma vaca, mas de uma representação de uma vaca, não é? Com a linguagem escrita acontece a mesma coisa: ela representa algo, como objetos, valores, ideias. Logo, a notícia não é o fato em si, mas sim uma interpretação desse fato, certo?
Analise a pequena notícia a seguir.

Escorpiões assustam Vila São José
Os moradores da Vila São José, no Ipiranga, estão assustados com o grande número de escorpiões que têm sido encontrados na região. Eles também se indignaram com a sugestão de um técnico da Vigilância de Saúde da Subprefeitura do Ipiranga que aconselhou a população a espalhar galinhas pelas ruas para resolver o problema. Os moradores acreditam que a proliferação tenha começado em um terreno onde havia uma casa abandonada.

(“Ipiranga News” - 28/10 a 3/11/2004)


Assunto


Pelo assunto e pelo nome do veículo de imprensa, percebe-se que se trata de um jornal de bairro, destinado a uma comunidade particular de leitores - os moradores do Ipiranga, bairro da cidade de São Paulo.

A estrutura da notícia

Veja que a notícia se estruturou em apenas dois parágrafos. O primeiro - chamado de "lide" - sintetiza os dados principais: quem, onde, o quê. Se o leitor ler apenas esse parágrafo, já fica sabendo se quer ou se precisa continuar a ler a notícia. A leitura de um jornal é seletiva, isto é, o leitor escolhe o que quer ler, por isso, não precisa ler tudo que está escrito no jornal para se informar. É bem diferente da leitura de outros gêneros como, por exemplo, um conto, um romance, cuja leitura integral é obrigatória para sua compreensão. Na notícia do jornal "Ipiranga News", os dados do lide são:

  • quem: os moradores da Vila São José;

  • onde: na Vila São José, Bairro do Ipiranga, na cidade de São Paulo;

  • o quê: moradores assustados com a quantidade de escorpiões na região.
    O segundo parágrafo "expande a notícia", isto é, dá mais detalhes a respeito do fato:

  • os moradores estão indignados com a Vigilância Sanitária da SubPrefeitura, que sugere que eles criem galinhas, como forma de resolver o problema da proliferação dos escorpiões;

  • os moradores têm uma explicação para o aumento dos escorpiões: uma casa abandonada.

    Linguagem coloquial

    A linguagem do jornal é, preferencialmente, coloquial (próxima à maneira como falamos). Isso acontece intencionalmente, como forma de se aproximar e se adequar ao leitor, ao buscar uma comunicação mais eficiente. Outra característica da linguagem jornalística é sua tentativa de mostrar imparcialidade, neutralidade sobre aquilo que relata. Veja que o jornalista do "Ipiranga News" pretende se mostrar imparcial, apresentando distanciamento do fato. Essa aparência de imparcialidade é conseguida por:

  • ausência de enunciados de opinião. Há fatos, acontecidos com outros e que não têm nada a ver com o jornal, como em "Os moradores também se indignaram...";

  • privilégio do uso de terceira pessoa ("os moradores", "eles");

  • não uso de adjetivos que possam dar impressão de subjetividade, de interferência da opinião do jornalista. Não se admite, por exemplo, uma notícia que fale em um homem velho, em prédio alto, bairro distante. Para dar impressão de que os fatos são relatados com a maior precisão possível uma notícia informa, por exemplo: homem branco, 85 anos; prédio de doze andares; bairro da periferia da cidade de São Paulo etc.;

  • a busca de exatidão faz com que se privilegiem os verbos no modo indicativo: "estão assustados", "têm sido encontrados", "se indignaram", "aconselham", "acreditam", "tenha começado", "havia".

    O que é notícia?



    Poema tirado de uma notícia de jornal
    João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
    Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
    Bebeu
    Cantou
    Dançou
    Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.


    (Manuel Bandeira. "Poesia completa e prosa". Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983)
    Pode-se perceber que o poema dialoga com a notícia e que o fato - a morte de uma pessoa - poderia mesmo ser uma notícia de jornal. Mas o que Manuel Bandeira escreve não é uma notícia, mas um poema em que mostra uma contradição da vida brasileira: ficar famoso, para alguns, acontece somente quando isso é tragédia...
    Agora, voltemos à história do escorpião.


    Perigo à vista
    Na bonita manhã de sol da segunda-feira, seu Joaquim, morador mais antigo da rua Jurupá, foi comprar pão na padaria. Encontrou-se com Dona Maria que também estava saindo para o trabalho e foram conversando sobre os preços absurdos de tudo, nos dias atuais. No caminho encontraram dois escorpiões, perto da casa abandonada, cujo dono havia morrido há muito tempo e, porque o inventário nunca acabava, ninguém conseguia vender ou alugar o imóvel. Esse fato foi motivo para mais conversa sobre ‘o fim dos tempos’ da vida moderna.
    Dona Nenê, vizinha de seu Joaquim, quando lavava roupa, num certo dia, também encontrou escorpiões em seu quintal. Foi um alvoroço só… Mas o problema maior foi quando um escorpião picou uma das filhas do seu Agenor. Ele, indignado, na volta do hospital, chamou a Vigilância Sanitária. Os técnicos sugeriram que uma boa forma de acabar com os escorpiões era criar galinhas. Que fazer?

    Veja que, embora o assunto seja o mesmo da notícia extraída do "Ipiranga News", não se pode considerar o texto acima uma notícia. A organização textual, por exemplo, é muito diferente de uma notícia. Vejamos algumas diferenças.

     
    Seqüência do texto
    Linguagem
    Escorpiões assustam Vila São José Do fato mais importante para os detalhes Objetiva
    Procurando ser neutra
    Perigo à vista Seqüência temporal da narrativa, cujo acontecimento principal está diluído no texto Detalhada na construção das personagens e do cenário. Cada elemento ajuda a compor o enredo.

    Em uma notícia, os eventos não são ordenados por sua sequência temporal como em uma história, ou seja, o jornalista não tem a pretensão de relatar os fatos na ordem em que, supõe-se, ocorreram. Os eventos são apresentados pelo interesse, na perspectiva de quem conta e, principalmente, pelo que o leitor/ouvinte/telespectador/internauta pode considerar mais importante. É evidente que quem informa faz uma seleção prévia dos eventos a serem destacados, relatando-os em função do evento principal e da ideologia do jornal.

    Conceito de notícia

    Leia o que diz um especialista no assunto:

    Notícia: relato de uma série de fatos a partir do fato mais importante. A estrutura da notícia é lógica; o critério de importância e interesse envolvido em sua produção é ideológico: atende a fatores psicológicos, comportamentos de mercado, oportunidades, etc..

    (Nilson Lage. "A estrutura da notícia". São Paulo: Ática, 1993) :
    Por mais que informe ser imparcial, ou que afirme traduzir com exatidão a veracidade dos fatos, a imparcialidade absoluta numa notícia é impossível, pois o redator tem que escolher o que vai contar - que acontecimentos, dentre outros, pode se transformar em uma notícia que venda mais. Determinado "o quê", ainda há "o como", isto é, como atingir o leitor de maneira mais direta, o que implica uma determinada seleção de vocabulário, destaque para o tipo de letra, tamanho da notícia, lugar em que a notícia vai aparecer no jornal, abordagem etc... :
    É necessário compreender que o jornalismo não retrata nem cria fatos, e sim constrói visões dos fatos. O jornal legitima uma opinião sobre os fatos, a depender de sua linha editorial, dos leitores que quer atingir. Nesse quadro, a notícia é uma construção de visões e não os fatos em si.

  • * Alfredina Nery é professora universitária, consultora pedagógica e docente de cursos de formação continuada para professores na área de língua/linguagem/leitura.

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