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A crônica argumentativa situa-se entre o
estilo jornalístico e o literário. O cronista tem como ponto de partida a
observação direta dos fatos do cotidiano, mas não os retrata como uma simples
reportagem ou notícia jornalística e sim procura emocionar o leitor, levando-o
à reflexão sobre esses fatos. A crônica se diferencia do editorial por dois
motivos:
1º) o editorial representa a opinião de um
jornal ou de uma revista; a crônica, ao contrário, o ponto de vista sobre uma
realidade do cotidiano;
2º) no editorial, predomina uma linguagem
objetiva e jornalística; na crônica, uma linguagem subjetiva e literária.
CARACTERÍSTICAS DA
CRÔNICA ARGUMENTATIVA
a) tipo de gênero textual
que reúne características de crônica e de texto argumentativo;
b) apresentação do
assunto ou controvérsia a ser discutida, normalmente, no início do texto;
c) posicionamento do
cronista sobre o assunto em questão;
d) exposição de
argumentos que fundamentam o ponto de vista do autor;
e) conclusão
surpreendente, criativa, ou conclusão-síntese, que retoma as idéias do texto e
confirma o ponto de vista defendido;
f) tratamento subjetivo
do tema, deixando perpassar a sensibilidade e as emoções do cronista;
g) linguagem criativa e
figurada, geralmente, de acordo com o padrão culto informal da língua.
Observação: não
existe uma receita ou fórmula para se escrever uma crônica. O importante é que
o fato que despertou a vontade de escrever seja relatado, levando o cronista a
fazer questionamentos, críticas, reflexões.
EXEMPLO DE CRÔNICA ARGUMENTATIVA
A
bandalha dos ciclistas
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RUTH
DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br
Fui atropelada por
um ciclista na calçada do Leblon, no Rio de Janeiro. Estava parada, falando ao
celular. Ele levava a namorada de shortinho no guidão. Se eu tivesse 20 anos e
uma garota com aquelas pernas no meu campo visual, provavelmente não enxergaria
mais nada. Além de bater na minha coluna lombar, ele foi levando com o guidão
minha roupa e, por isso, parou. Pediu desculpas.
“Fazer o quê?
Desculpo. Mas você sabia que é proibido pedalar no espaço de pedestres?”,
falei. Entrou por um ouvido, saiu pelo outro. Ele continuou rumo à orla, para
gozar a luz extra do horário de verão, a ansiedade e os hormônios a 40 graus,
em ensaio para a estação de gala do Rio. Uma estação de delícias e dores. Algum
ciclista, naquele exato instante, poderia estar atropelando numa calçada sua
mãe, sua avó, sua irmãzinha pequena.
Os ciclobandalheiros
imperam em muitas cidades grandes do Brasil. Eles reclamam dos ônibus, dos
carros ou das vans irresponsáveis. Evitam o asfalto – mesmo a duas quadras de
uma ciclovia com vista para o mar. E ferram os pedestres. Pedestre não vem de
fábrica com setinha ou luz de freio. Dispõe, pela lei, de um espaço só dele,
onde a velocidade é das pernas. Tem direito de mudar a direção subitamente, sem
verificar se um veículo sobre rodas passará por cima dele.
As calçadas do Rio
estão coalhadas de ciclistas que transformam pedestres em alvo de manobras
arriscadas. Nós somos os obstáculos, invasores inconvenientes de nosso
território.
A praia no verão é o
retrato mais acabado da democratização do espaço carioca, especialmente com o
metrô. Os ciclistas repetem o padrão. Patricinhas, mauricinhos, peruas,
executivos, atletas, profissionais liberais, vendedores de celular,
entregadores de pizza, moradores de comunidades (ex-favelados), todos se
locupletam na bandalha, com bicicletas de todos os calibres e, agora, as
elétricas.
Foi, portanto, com
aplausos que, no domingo passado, o carioca recebeu a Guarda Municipal no
calçadão de Ipanema e Leblon. É uma festa aquela pista dedicada ao lazer,
fechada aos carros. Lazer barato numa cidade cada vez mais cara. O cortejo de
carros da polícia, com guardas munidos de cassetetes caminhando à frente,
mandava ciclistas para a ciclovia.
O motivo da ação foi
o número de queixas da população. Bicicletas e skates tornam aquele espaço
perigoso para a caminhada dominical. Vira pista de corrida e esportes radicais.
A maioria da população está longe de ser “radical” – e gosta de ordem.
Fui atropelada por uma bicicleta
na calçada. Qual seria a dosimetria para os ciclobandalheiros?
“O
Rio não pode perder sua espontaneidade e alegria, mas não pode ser eternamente
a capital da esculhambação”, disse a ÉPOCA o prefeito Eduardo Paes. “O espaço
público não pode ser privatizado, nem pelos próprios indivíduos. Acabamos com a
zona das Kombis velhas estacionadas com mercadorias na orla, ao instituir o
Choque de Ordem há dois verões. Começamos a organizar os quiosques. Agora, os
gestos de civilidade são uma questão de educação, cultura e convívio urbano.”
Como
os ciclistas se comportam bem em Washington, Nova York, Paris e Londres, penso:
qual seria a dosimetria para os ciclobandalheiros do Rio? Dosimetria, como
todos já sabem, é o jargão juridiquês dos supremos de capa preta que invadiram
nossa data venia de botequim. É o “cálculo de
penas”.
Se advertências não
impedem a bandalha de acostamento nas estradas, os passeios da Guarda Municipal
não coíbem ciclistas infratores. Um dia de apreensão de “bikes” bandalheiras
poderia servir de educação. Perdeu, parou, confiscou. Ciclismo é prática
saudável, transporte limpo, o prefeito estimula, o clima do Rio ajuda. Mas, por
favor, na ciclovia, porque o nome já diz tudo.
Paes
ficou abalado com a guerra do jogo de futebol conhecido como “altinho” – a
antiga linha de passe – no Posto 9, em Ipanema. O local é um reduto dos jovens
contra a lei que proíbe jogar bola na beira do mar entre as 8 e as 17 horas. O
paredão dos “altinhos” torna um risco mergulhar ou andar na areia. Os donos do
território desafiaram a ordem da Guarda Municipal. O vídeo no YouTube mostrou
uma batalha campal bem feia, com palavrões e agressões. Cocos, barracas e
cadeiras foram arremessados contra os guardas. E os guardas usaram força bruta
inadmissível. “Foi um erro dos guardas”, diz o prefeito. “Perderam a razão ao
se nivelar. A Guarda Municipal precisa agir com educação, não pode perder o
controle.”
O “altinho” migrou
do Posto 9 para o Posto 8. E o lixo e os cães? Não é preocupação de elite.
Praia é de graça. É no verão que os jet skis à beira d’água matam criancinhas,
e as lanchas matam ou aleijam banhistas. É no verão que os cães, o lixo e os
restos de comida tornam nossa areia imprópria. Bactérias causam diarreia e
micoses. As areias de Copacabana e do Leblon continham, em outubro, mais fezes
de cachorro e lixo que a areia do Piscinão de Ramos. É o subúrbio ensinando
boas maneiras à Zona Sul. Vamos baixar a dosimetria nos bandalheiros do verão.
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