A
liberdade de expressão está comumente associada à busca da verdade, à auto-expressão
individual, ao bom funcionamento da democracia e a um equilíbrio entre
estabilidade e mudança social. Ela não é necessária apenas para que os cidadãos
exerçam as suas capacidades morais de ter um senso de justiça e defender uma
concepção do bem. Combinada aos procedimentos políticos estabelecidos
constitucionalmente, a livre expressão de ideias aparece como uma alternativa à
revolução e ao uso da força, que ameaçam sobremaneira as liberdades básicas.
Sabe-se
que as liberdades políticas em geral, e a liberdade de expressão em particular,
têm tanto uma dimensão defensiva (contra a intervenção indevida do Estado),
quanto uma dimensão protetiva (que requer a intervenção do Estado para ser de
fato garantida). A questão que se coloca é saber em que medida devem ser
defendidas ou quais seriam os limites dessas duas dimensões. Seria possível a
restrição de conteúdos específicos, como discursos de incitação ao ódio, de
caráter racista, homofóbico etc., sem se restringir demais a liberdade de
expressão? Ou deve-se dar preferência a regulações neutras em relação ao
conteúdo?
A
impossibilidade, contudo, de julgar neutramente, assim como os limites muitas
vezes tênues entre o que é respeitoso ou não às intituições cria disparidades.
A mais nova vítima desse problema é a banda Pussy Riot. Três integrantes foram
detidas sob a acusação de alimantar o ódio religioso, ao gravarem sua “oração
punk” em uma igreja na Rússia. Críticos do presidente Vladimir Putin denunciam,
por outro lado, que as jovens são vítimas do totalitarismo do regime russo
atual. Na música, elas fazem um protesto político contra o atual presidente. O
caso volta a levantar a discussão sobre os limites da liberdade de expressão.
Admitindo-se
que as pessoas em geral, e os mais poderosos especialmente, desejam afastar
qualquer crítica e evitar a expressão de posições das quais discordam, pode-se
ter a impressão de que a regulação de conteúdos pode se tornar um instrumento
eficaz para que se impeçam a expressão de críticas e posições contrárias a certas
opiniões consideradas em um certo momento politicamente incorretas ou
moralmente condenáveis. Uma das presunções contra o controle de conteúdo afirma
que ele traz consigo a possibilidade de que se excluam inteiramente certos
pontos de vista do mercado de
ideias: a regulação de conteúdos representaria uma ameaça maior de que
certas ideias sejam impedidas de serem expressas, a despeito do valor que tais
ideias possam ter para os próprios falantes ou para a comunidade em geral.
A
defesa da liberdade de expressão, portanto, embora um preceito fundamental das
sociedades democráticas, não pode admitir que a opinião defenda escabrosos
casos de violência contra negros, homossexuais, nordestinos etc. Não custa
lembrar do que houve logo após o segundo turno da eleição presidencial de 2010.
Será que o direito de dizer o que se pensa, por mais politicamente incorretas,
ofensivas ou imorais que sejam as declarações, deve ser estendido para quem
defenda a ideia subjacente aos espancamentos de negros e homossexuais por bandos
de skinheads? Isso se daria no mesmo nível da
prisão de jovens punks pura e simplemente por fazerem críticas políticas com as
quais boa parcela da sociedade concorda?
EDITORIAIS
Punk, Pussy, Putin
Não seria nem preciso que a Rússia condenasse a dois anos de
prisão três moças da banda punk Pussy Riot para que se evidenciasse o perfil
autoritário do regime de Vladimir Putin.
Desde que chegou ao governo em 1999, quando foi premiê de Boris
Ieltsin, o ex-diretor da KGB (serviço secreto da extinta União Soviética) se
esmera em subjugar as instituições russas para hipertrofiar o próprio poder.
Eleito
presidente pela primeira vez em 2000, com 53% dos votos, reelegeu-se em 2004,
beneficiado pelo forte crescimento econômico. Impedido de concorrer mais uma
vez, promoveu, em 2008, a
candidatura de Dimitri Medvedev, de quem se tornou primeiro-ministro.
Conseguiu então modificar a Constituição e ampliar o mandato
presidencial de quatro para seis anos. Vitorioso novamente num pleito
presidencial controvertido, em março passado, Putin já acumula 12 anos no poder
-e ficará até 2018, com chance de reeleição.
Espécie de Hugo Chávez do mundo eslavo, tratou de reduzir a
autonomia das regiões, sujeitar a imprensa e criar um ambiente hostil ao
pluralismo, à crítica e à liberdade de expressão. Ao longo desse percurso,
conquistou a simpatia da influente Igreja Ortodoxa, que não lhe tem negado
apoio político.
Foi essa aliança que as integrantes do Pussy Riot -representantes
de um setor jovem mais cosmopolita- tentaram fustigar numa performance tão
irreverente quanto agressiva, bem ao estilo punk.
Com capuzes de tipo balaclava e roupas coloridas, criaram um fato
midiático, devidamente filmado e divulgado. Dentro da catedral de Cristo
Salvador, em Moscou, as três moças dançaram e pularam enquanto gritavam um rock
cuja letra blasfema foi avaliada por muitos russos como profanação de um local
sagrado.
A prisão e o julgamento que levou à condenação transformaram as
integrantes do grupo em celebridades mundiais, despertaram protestos de jovens
na internet e expuseram, para públicos variados, o ânimo intolerante do regime.
Embora metade da população desaprove a pena de prisão, tida como
muito pesada, o presidente russo não perderá, só por isso, o apoio da
população. Porém, para a imagem global da Rússia, que já padece pela falta de
combate à corrupção, o episódio equivale a um tiro no pé de Putin.
REPORTAGEM
Putin que pariu!
Julgamento de integrantes do coletivo punk Pussy
Riot mobiliza artistas contra repressão do governo russo
20.jan.12
- Denis Sinyakov/Reuters
Membros do coletivo
Pussy Riot, durante uma ação em Moscou
|
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM
MOSCOU
Foram cinco
meses de detenção e uma semana de julgamento pontuados por protestos de meninas
encapuzadas e apoio público de estrelas como Madonna, Peaches e Sting, além do
barulho dos artistas russos.
Amanhã, no entanto, às 15h
(8h em Brasília), o mundo saberá o destino das três garotas que armaram -com o
Pussy Riot, coletivo russo feminista de punk rock- um show de protesto político
dentro da catedral do Cristo Salvador em Moscou.
As
integrantes do grupo podem ser condenadas a três anos de prisão.
Essa história
não é nova. Mesmo depois da era soviética, a repressão a manifestações por
liberdade e democracia na Rússia continua.
Durante os
três mandatos presidenciais de Vladimir Putin, outras figuras do mundo
artístico russo que transpuseram a tênue fronteira entre arte, política e
religião pagaram caro.
Andrei
Erofeev foi um deles. Ex-diretor de "novas tendências" da aclamada
Galeria Tretiakov, Erofeev foi demitido e julgado pela curadoria de uma
exposição de peças proibidas em museus e galerias moscovitas.
"Ele queria mostrar à
sociedade artística que a censura não existia. Foi julgado por isso",
disse à Folha o artista russo radicado nos EUA Leonid Sokov.
Aos 69 anos, ele é um dos nomes que tiveram suas provocativas obras expostas na
seleção de Erofeev.
Para Sokov, o
problema não está na censura de artistas, mas no nascimento de uma geração que,
diferente da sua, não viveu as restrições civis da era soviética e não acredita
que sua luta seja em vão.
"É difícil encarar a
apresentação da Pussy Riot como arte", comenta Sokov. "Aquilo foi uma
ação primitiva, mas, de qualquer forma, elas conseguiram o que todo artista
quer e precisa: uma reação ampla e viva da sociedade."
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