sexta-feira, 9 de novembro de 2012

NOME - ARNALDO ANTUNES: ALGUMAS LEITURAS

Este presente artigo visa à análise dos aspectos estruturais e discursivos do cd e do livro Nome, do poeta e compositor Arnldo Antunes, objetivando a leitura desta obra visceral em meio à pasmaceira pop que grassa o universo do aluno de ensino médio.


NOME - ARNALDO ANTUNES: ALGUMAS LEITURAS
Palavras chave: poesia verbivocovisual, Nome, Arnaldo Antunes, estrutura e discurso
Este presente artigo visa à análise dos aspectos estruturais e discursivos do cd e do livro Nome, do poeta e compositor Arnldo Antunes, objetivando a leitura desta obra visceral em meio à pasmaceira pop que grassa o universo do aluno de ensino médio.
Por: Sinval Santana
HÁ SEMPRE UMA LUZ DENTRO DO TÚNEL
- O AUTOR E SUA ÉPOCA:
O filósofo, sociólogo e linguista francês Roland Barthes em afirmações como:
"as palavras não são mais concebidas ilusoriamente como simples instrumentos, são lançadas como projeções, explosões, vibrações, maquinarias, sabores: a escritura faz do saber uma festa. (...) a escritura se encontra em toda parte onde as palavras têm sabor (saber e sabor têm, em latim, a mesma etimologia). (...) É esse gosto das palavras que faz o saber profundo, fecundo."
lança uma luz sobre as possibilidades poéticas que a palavra assume no universo contemporâneo, marcado pela cultura visual, pela linguagem não verbal. O mundo polifônico, as linguagens múltiplas, o mundo que o computador, a rede virtual ampliaram, ao invés de vulgarizar ou simplificar, como querem os profetas do apocalipse, revelou mais possibilidades para o gênio do artista que não se equiparam a nenhum outro momento da História. Os que insistem em ver apenas um suposto empobrecimento, ou emburrecimento, provocado pelo computador, são cérebros fossilizados, logo incapazes de perceberem a lógica do fluxo contínuo da vida.
O que não quer dizer que tudo o que se produz na rede é bom. Cabe aqui a capacidade crítica de discernimento. E também quem usa as várias possibilidades da cultura contemporânea ainda tateia a superfície. O mundo virtual, bem como suas possibilidades artísticas, não está devidamente formatado.
Ao encontrar trabalhos como o do poeta paulista Arnaldo Antunes, trabalho que explora o verbal e o não verbal, o apelo sensorial, de forma tão visceral, percebe-se que já há pessoas com maturidade para concretizar a Poética contemporânea. O Pop usa a cultura multimídia para popularizar seu trabalho, visando ao sucesso efêmero, como a promoção de shows ou filmes. Arnaldo Antunes visa à renovação da poesia, mostrando que não se faz um poema apenas para a leitura com o olhar. O poema é para o tato, a audição, a visão, o olfato e o paladar. É para os sentidos físicos absorvê-lo e enviá-lo para a degustação do intelecto.
Antes de criticar, de amaldiçoar, de esculhambar o responsável pela indicação do trabalho de Arnaldo Antunes, Nome, para os vestibulares da PUC - Goiás e da Unievangélica, dê um tempo a qualquer coisa que você está fazendo, do tipo Msn, Orkut, tire o fone do ouvido, desligue o celular, esqueça o pop/romântico, o novo filme da Marvel. Desligue-se de quaisquer ruídos, urbanos ou familiares.
Porque, primeiro: o trabalho de Arnaldo Antunes diferencia-se dos trabalhos voltados para o mercado. Não apresenta composições simples, de versos lineares e melodia adocicada. Segundo: não é para ser lido; é para der sentido. E sentido no sentido dos mestres da Poesia, mestres que o autor conhece e seu texto reconhece: do Simbolismo de Rimbaud, Verlaine e Mallarmé, ao sincretismo de Augusto dos Anjos; de Paul Valéry à poesia concreta de Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Da teoria da arbitrariedade do signo de Saussure à semiótica de Barthes. (uma informação de caráter meramente didática: Arnaldo Antunes, antes de ser um dos Titãs, foi aluno de Linguistica na USP e na PUC - Rio; não concluiu devido à carreira da banda).
- A OBRA: NOME: CD, LIVRO E VÍDEO:
Para a compreensão completa da obra carece conhecer os trabalhos em vídeo, grande parte disponível no You Tube. Quanto aos textos, é preciso estar atento ao fato de que o autor é um espírito irrequieto, não representa o estereótipo do intelectual, tradicional, tipo Drummond, com seu terno. No ensino médio já não foi o aluno convencional, produzia trabalhos performáticos e publicou seus primeiros textos. O indivíduo, acostumado ao mundo com suas convenções, há de achá-lo estranho. O leitor, acostumado às leituras tradicionais obrigatórias em escolas, há de achá-lo muito estranho.
Não é comum abrir um livro de poesia e deparar com:
Sol ouço
Observe que o título produz efeito de trocadilho: sol ouço/soluço. O jogo de palavras é a marca mais evidente, mais perceptível, do trabalho do poeta.
O caráter lúdico dos textos, seu intenso jogo de palavras, explorando as várias perspectivas da linguagem, revela a alegria do poema, tirando-lhe o caráter acadêmico e linear:
Pouco
no poema Pouco, está clara a integração forma/conteúdo. O enquadramento das palavras justifica a ideia que o poema carrega. Não se dissocia a mensagem do referente. A função poética da linguagem é fundamental para se compreender a aspecto referencial do texto.
A leitura dos dois sonetos de Nome guarda pouco da leitura do soneto tradicional apreendido nas leituras chatas de Camões em sala de aula. Não se enquadram como o soneto italiano (ABBA, ABBA, CDC, DCD) ou inglês (ABBAABBAABBACC).


porém trata-se de dois sonetos.
Considerando que, na História, o ludismo representou o movimento de reação contra a mecanização do trabalho, tirando-lhe o prazer, a alegria, na Arte o ludismo visa ao retorno do encantamento com a palavra. Em Nome, uma evidência deste aspecto encontra-se na linguagem infantil, típica dos jogos e das quadras dos tempos de criança:
Cultura
O Macaco


O macaco se parece com o homem
A macaca parece mulher
Algumas pessoas se parecem
Outras pessoas se parecem com outras
As macacas de auditório são meninas
As crianças parecem micos
Os papagaios falam o que pessoas falam
Mas não parecem pessoas
Para os cegos os papagaios parecem pessoas
O homem veio do macaco
Mas antes o macaco veio do cavalo
E o cavalo veio do gato
Então o homem veio do gato
O gato veio do coelho
Que veio do sapo
Que veio do lagarto
Então o homem veio do lagarto
O lagarto veio da borboleta
Que veio do pássaro
Que veio do peixe
Pessoas se parecem com peixes
Quando nadam
Pessoas se parecem com peixes
Quando olham o vazio
Pessoas se parecem com peixes
Quando ainda não nasceram
Pessoas se parecem com peixes
Quando fazem bolas de chiclete
Macacos desaparecem
Peixes parecem peixes
Micróbios não aparecem
Todos se parecem
Pois se diferem


O jogo de palavras remete de imediato ao Concretismo, movimento da poesia contemporânea, liderado por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Arnaldo Antunes tem uma ligação não apenas poética, nas de amizade com os concretistas. É um filhote poético deles, sem depreciação ou demérito, afinal realizou um projeto à altura dos mestres. Hábil na conjugação dos aspectos visuais, sonoros, auditivos do signo, harmonizando significante e significado:
Dentro

Fênis
Fênis
Penix
....

A presença de elementos da poesia concreta remete à ligação do grupo com o Cubismo, vanguarda modernista do início do século XX, que propôs a renovação da poesia, pela síntese, pela poesia nominal e pela exploração da linguagem não verbal. A associação com as propostas vanguardistas do passado remontam não apenas ao Cubismo, como também ao Simbolismo de Arthur Rimbaud e Paul Verlaine:
Vogais

A negro, É branco, I vermelho, U verde, Ó azul: vogais,
Direi um dia destes vossas ocultas origens:
A, negro colete peludo das moscas infernais
Voltejando em volta de fedores que dão vertigens (...)
Rimbaud
Arte poética
Antes de qualquer coisa, música
e, para isso, prefere o Ímpar
mais vago e mais solúvel no ar,
sem nada que pese ou que pouse.
E preciso também que não vás nunca
escolher tuas palavras em ambiguidade:
nada mais caro que a canção cinzenta
onde o Indeciso se junta ao Preciso. (...)
Paul Verlaine


a obra de Arnaldo Antunes conjuga a proposta de Arthur Rimbaud à de Paul Verlaine. Basta observar o encarte do CD.
Nome ecoa outra influência acentuada, já percebida nos trabalhos dos Titãs: do livro Eu, de Augusto dos Anjos. A poesia do poeta paraibano, publicada no início do século XX, única na época, talvez por isso quase ignorada, é uma revolução na Lírica brasileira, exatamente por ser anti-lírica, apoética, por seu mau gosto, pelo vocabulário escatológico e pela sensação de estranheza que causa:
Versos Íntimos
(...)
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos
alguns poemas de nome seguem este caminho: chocam, se lidos; mais ainda, quando ouvidos:
Tato
o olho enxerga o que deseja e o que não
ouvido ouve o que deseja e o que não
o pinto duro pulsa forte como um coração
trepar é o melhor remédio pra tesão
um terço é muita penitência pra masturbação
a grávida não tem saudades da menstruação
se não consegue fazer sexo vê televisão
manteiga não se usa apenas pra passar no pão
boceta não é cu mas ambos são palavrão
gozo não significa ejaculação
o tato mais experiente é a palma da mão

o olho enxerga o que deseja e o que não
ouvido ouve o que deseja e o que não
depois de ejacular espera por outra ereção
o ânus precisa de mais lubrificação
por mais que se reprima nunca seca a secreção
o corpo não é templo, casa nem prisão
uns comem outros fodem uns cometem outros dão
por graça por esporte ou tara por amor ou não
velocidade se controla com respiração
o pau se aprofunda mais conforma a posição
o tato mais experiente é a palma da mão

o pinto duro pulsa forte como um coração
gozo não significa ejaculação
o ânus precisa de mais lubrificação
por graça por amor por tara ou pra reprodução
ouvido ouve o que deseja e o que não
velocidade se controla com respiração
trepar é o melhor remédio pra tesão
o tato mais experiente é a palma da mão
se não consegue fazer sexo vê televisão
o olho enxerga o que deseja e o que não
uns comem outros fodem uns cometem outros dão


a letra choca pelas imagens fortes, pelos referentes desagradáveis, críticos, talvez críticos demais para o ouvido acostumado à banalização e à superficialidade da cultura de massa.
A influência das teorias da Linguistica é perceptível no trabalho desde o Estruturalismo de Saussure, o conceito de arbitrariedade do signo - os nomes das coisas são convenções arbitrárias, não revelam um significado ou uma ideia da coisa:
"... não deve dar a idéia de que o significado dependa da livre escolha do que fala, porque não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo lingüístico; queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade."
Saussure
Nome


Algo e o nome do homem
Coisa e o nome do homem
Homem e o nome do cara
Isso e o nome da coisa
Cara e o nome do rosto
Fome e o nome do moco
Homem e o nome do troco
Osso e o nome do fóssil
Corpo e o nome do morto
Homem e o nome do outro.
Arnaldo Antunes


e da Semiótica de Charles Pierce e Roland Barthes, pela exploração dos elementos não verbais em toda a obra: observar o encarte do CD.
- CONCLUSÃO:
Lançado em 1993, Nome repercutiu na cena cultural nacional. De forma negativa, para setores menos afeitos a ventos novos e mantenedores do status quo cultural, muito Caetano e Chico. De forma positiva, pois representou uma porrada na pasmaceira pop global que atingia o auge com o programa Amigos.
Um dos principais nomes do B - Rock da década de 1980, ao lado dos outros Titâs, do Ira!, de Cazuza, de Renato Russo, de Humberto Gessinger, Arnaldo Antunes carregou, desde os trabalhos anteriores à banda e ao rock para tocar em rádios experiências performáticas, multimídia, revelando-se um vanguardista. Os Titãs traziam esta marca nas aparições na televisão e nos shows. Outra marca da banda e do compositor, que Nome apresenta, são as letras viscerais, escatológicas, que era um diferencial, se comparado ao lirismo de Renato Russo, e que são, se comparadas ao Pop atual e à poesia contemporânea reconhecida pelo stablishment cultural brasileiro.
Importante a indicação de uma obra como esta para a leitura obrigatória de vestibulares. Além de revelar uma proposta inovadora de leitura, leva o vestibulando tão afeito aos macetes e ao convencionalismo da sala de aula ao contato com uma alternativa literária aos mestres que ele considera enfadonhos. Se a apreciação do trabalho de Arnaldo Antunes for agradável, ótimo; caso contrário, o trabalho do poeta e roqueiro multimídia realizou seu objetivo.
Referências bibliográficas:
ASORNO, W. Theodor e HORKHEIMER, Max - Dialética do esclarecimento - Jorge Zahur editor
MAINGUENEAU, Dominique - Elementos da linguística para o texto literário - Martins Fontes
BACHELARD, Gaston - A poética do devaneio - Martins Fontes
D'ONOFRIO, Salvatore - Teoria do texto 2, prolegômenos e teoria da lírica e da dramática
Sites consultados:
letras.terra.com.br
educaterra.terra.com.br
pt.wikipedia.org/wiki
educacao.uol.com.br/

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